Riqueza cultural dos Cangaceiros Eles transmitem mensagens e ensinamentos de esperança e luta pela vida
Os Cangaceiros, no contexto religioso, representam estruturas de grupos espirituais hierarquizados, evocam arquétipos sociais ligados à brasilidade (à figura histórica e mítica do cangaço nordestino).
Eles se manifestam dentro de alguns terreiros de Umbanda transmitindo mensagens e ensinamentos de esperança e luta pela vida. Para compreendê-los na ótica umbandista é fundamental considerar os aspectos pedagógicos, políticos, estéticos, poéticos e éticos que integram as linhas de trabalho. A Umbanda oportuniza espaços para que excluídos e marginalizados possam assumir o protagonismo de suas próprias narrativas/histórias e sua manifestação tem nuances específicas, regionalizadas e sincretizadas (Boiadeiros, Baianos, Malandros ou Juremeiros).
Historicamente, o cangaço é interpretado sob duas perspectivas: do “banditismo social” (são vistos como criminosos, bandoleiros cruéis, homicidas, estupradores e saqueadores) e da “resistência social e luta”. Na perspectiva “Robin Hoodiana”, diante da ausência Estatal o cangaceiro se torna o herói, o salvador do povo pobre e faminto que enfrenta opressão, desigualdades e tirania do coronelismo.
As narrativas estão entrelaçadas pelas estruturas de poder e focadas, exclusivamente, nas catástrofes. Esse discurso simplifica, despoja a cultura e identidade desse povo. Assim, os cangaceiros podem tanto simbolizar terror e medo, quanto a libertação da fome, miséria e opressão. Ao quebrar “essas verdades” vislumbram-se espaços para releituras e a inserção de novos personagens. Na perspectiva decolonial, a dualidade é descontruída permitindo interpretações mais complexas, múltiplas e livres de polarizações simplistas.
Narrativas umbandistas pluriversas acerca dos cangaceiros trazem novas facetas, protagoniza-os como indivíduos sensíveis e afetivos e criam espaços para novas vozes e versões históricas (rezas, devoção a Padim Cícero e diversifica fontes de saberes e práticas). Apresentam evidências da resiliência nordestina, múltiplas poéticas e epistemes que permitem empoderar, humanizar e reparar a dignidade do povo.
Acredita-se que após o desencarne há o despertar consciencial e espiritual, onde tem oportunidade de externar suas personalidades e ressignificar seus conhecimentos amparados pela Lei Maior. Formam as falanges no Astral, utilizando arquétipos, nomes, vestimentas tais quais quando encarnados. Assim, nasceu a linha dos Cangaceiros na Umbanda.
O Cangaceiro representa o nordestino sertanejo, povo aguerrido, sofrido e festivo que conheceu a fome, injustiça social e enfrentou a tirania, mas soube lançar mão da alegria, do encantamento e da palavra versada para driblar a morte e violência. Representa o espírito que luta por suas ideias e direitos. É uma energia vibrante, de retidão e bravura. Através da corporeidade e de suas indumentárias (re)criam suas identidades, reconectam-se ao regionalismo e valorizam a história e a cultura.
Nas alpercatas e o gingado do xaxado, contorna os obstáculos e descobre novos caminhos e na algibeira traz ervas, na ponta da lâmina escreve poéticas, estéticas e conjura os códigos dos "cabras machos". As palavras, o vento, a cascavel, a chuva e a florada do mandacaru são entes sagrados, que integram um multiverso potente.
A linha de trabalho dos Cangaceiros se manifesta como força protetora/sustentadora, voltada para aqueles que se sentem fracos, desamparados e vilipendiados. Auxiliam na proteção das casas espirituais, equilibram os trabalhos mediúnicos, atuam nas limpezas espirituais mais densas (descarregos e desobsessões) e destacam-se na neutralização de magias.
São os guardiões das causas nobres e defensores dos fragilizados. São espíritos que se apresentam de forma rude e simplória, mas tem uma essência amorosa e amigável. São amparados pelos Orixás Regente, Omulú e Nanã, podendo atuar nas sete irradiações divinas. Possuem nomes simbólicos que remetem as figuras emblemáticas, como Maria Bonita, Lampião, Zé do Cangaço, Severino, Maria do Cangaço, Maria Quitéria, Folha Seca, Corisco, Diabo Loiro, Maria Légua, Zé Baiano, Pinga-fogo e Julião.
Eles têm a oportunidade de atuar numa religião acolhedora e que não os discrimina. O Centro Espírita Nossa Senhora do Carmo realiza uma festa anual em homenagem aos Cangaceiros.
Cultural e artisticamente, sua história e simbologia são amplamente exploradas na literatura de cordel, teatro, cinema, música e nas artes plásticas e visuais, destacando-se a riqueza de sua representatividade e a força de seu legado na cultura nacional, então: Viva os Cangaceiros! Salve o povo do Sertão!
Gilda Portella é multiartista, sacerdotisa de umbanda e mestranda PPGECCO/UFMT.
Comentários