A roda dos excluídos
A onda de mães que, no último mês, descartou seus filhos recém-nascidos é o demonstrativo de uma tragédia social. Ao lado dessas quatro ou cinco crianças que tiveram a sorte de ser localizadas em tempo e salvas, podem existir muitas outras que pereceram e dificilmente entrarão para o noticiário ou para a estatística. Precisamos trabalhar com todo rigor e pressa para evitar a continuação desses crimes contra a infância e o futuro do país.
Por mais justificativas que apresente, a mãe jamais conseguirá convencer alguém de que agiu certo ao abandonar o próprio filho na lixeira, na rua, no quintal do vizinho ou no banheiro do hospital. Isso é crime dos mais perversos, praticado por quem, até por razões biológicas, deveria ser o maior protetor daquele novo ser. Principalmente quando é sabido que mães impossibilitadas de criar seus filhos têm a alternativa legal de entregá-los, em segurança, para a adoção.
O abandono de recém-nascidos é tema antigo. Nas sociedades conservadoras do passado, as mães solteiras não tinham o que fazer com os filhos e os deixavam nos portões de casas cujas famílias pudessem criá-los, mas muitos pereciam pelo frio, ataque de insetos ou de cães. Na Idade Média, foi criado, em Marselha, o sistema da “roda dos excluídos”, que se alastrou por toda a Europa, inclusive Portugal e chegou ao Brasil em 1738. A ‘roda” funcionou em vários endereços do Rio de Janeiro, até 1948 e teve versões parecidas em São Paulo, outras capitais e cidades do interior brasileiro. A mãe do indesejado chegava, o colocava numa abertura do prédio – normalmente uma roda horizontal que, movimentada, o levava para dentro -, tocava uma sineta e ia embora, livrando-se do problema.
A roda dos excluídos – a antiga e a atual, representada pelos conselhos tutelares e juizados – é apenas um paliativo pois, mesmo depois de salva do abandono, a criança continua enfrentando problemas nas filas de adoção. O ideal seria resolver a questão na origem, através da educação e da prática da paternidade (e maternidade) responsáveis. Primeiro, a criança, que será o futuro adulto, deve receber, assim que possível, as informações sobre reprodução, sociedade e responsabilidades. Jamais devem lhes ser sonegadas orientações sobre controle da natalidade, contracepção e outros temas ainda tabu na nossa sociedade. Conhecendo e tendo acesso, o jovem ou o adulto terá melhores condições de evitar a gravidez indesejada. E, em paralelo, há que se cobrar os rigores da lei daqueles que, mesmo sabendo, ainda geram filhos.
A história mostra que, por razões sociais e econômicas, o descarte de recém-nascidos ocorre há séculos. A solução é difícil, mas não podemos nos conformar só com o paliativo do encaminhamento da criança. Temos evitar, de todas as formas, os nascimentos indesejáveis. Isso seria o mais eficiente instrumento para acabar ou, pelo menos, reduzir o hediondo descarte.
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
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