"Não faça réu um inocente"
O maior escândalo político brasileiro depois do processo que levou ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, seguramente foi o esquema de compra de votos de parlamentares da base de sustentação do presidente Lula, no seu primeiro mandato (na virada de 2005 para 2006), que ficou conhecido como Mensalão.
Os dois principais personagens deste caso foram os ex-deputados federais Roberto Jefferson (PTB) José Dirceu (PT), o então todo-poderoso ministro de Lula. Jefferson foi cassado no dia 14 de setembro de 2005 por quebra do decoro parlamentar por não apresentar provas da venda de votos por seus pares. A situação foi tão surreal que o petebista ganhou o apelido de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter da literatura de Mário de Andrade.
Não foi sacrificado sozinho, todavia. Exatamente três meses antes, durante depoimento à Comissão de Ética da Câmara, no dia 14 de junho, Roberto Jefferson - um exímio orador em um de seus mais inspirados dias - proferiu um denso e performático discurso - que bateu os recordes de audiência da TV Câmara – no qual celebrizou a seguinte sentença: “Sai daí Zé. Não faça réu um homem inocente”.
Ele se referia obviamente à saída de Dirceu da Casa Civil, de onde, conforme suas denúncias, o petista dirigia todo o esquema de corrupção no Governo Lula, especialmente a compra de parlamentares. E o inocente, por suposto, era o próprio presidente.
Dois dias após o bombástico depoimento José Dirceu renunciou ao ministério a pretexto de defender-se na Câmara, mas seus esforços foram vãos: a Câmara cassou o mandato do petista também perdeu o mandato no dia 1º de dezembro daquele ano.
As lições políticas da crise do Mensalão são inúmeras e talvez ainda não totalmente reveladas. Entre elas, destaco duas: 1) a mudança de atitude do presidente Lula, que rearticulou sua base de sustentação a partir dos partidos, e não mais na relação direta com os parlamentares, especialmente os do baixo clero; e 2) não há crime sem castigo tampouco possibilidade de se salvar todos durante uma crise – algumas cabeças devem ser dadas em oferenda à ira dos carrascos e à satisfação da opinião pública.
A rigor, todos os processos de conquista e manutenção do poder (na esfera pública mas também na privada, institucional e até nas relações humanas, interpessoais, amorosas, etc) não poderão prescindir de figuras como Dirceu, que opera, e Jeferson, que delata, os esquemas para manter as engrenagens em funcionamento. Afinal, no dizer de Shakespeare, “o poder é a escola do crime”.
Não se trata de dar um salvo-conduto ao crime e à corrupção, que em dimensão ética são práticas abomináveis, mas apenas de compreender como a banda toca. O problema é quando a exceção vira regra e perde-se o remorso (no sentido descrito por Dostoievski). Quando isso acontece e os meios viram os fins perde-se o controle da situação, e as cabeças devem ser inevitavelmente servidas ao público para recolocar a coisa em patamares toleráveis.
Numa inversão da metáfora do edifício, de Lênin e Marx, onde toda a estrutura e a superestrutura de poder estão sustentadas pelo alicerce (a infra-estrutura), os processos de poder se degeneram pela cúpula, e não pela base. Esta tese parte do princípio de que as pessoas em geral são boas, mas acabam se tornando más pelos exemplos. E o maior exemplo, a referência maior, será sempre o líder, e o não o liderado.
Lula compreendeu isso ao mudar sua atitude no exercício do poder com o advento da crise do Mensalão. Deve ser muito grato a Roberto Jefferson pela peitada em José Dirceu, e pelo alerta “saí daí Zé, não faça réu um homem inocente”. Ainda que este não tivesse toda a responsabilidade pelos esquemas havidos no escândalo, as evidências apontando naquela direção eram muitas e bem verossímeis. Conclusão: Lula teve que ceder a cabeça de Dirceu para salvar a sua própria. Lula aprendeu, sobretudo, a lição de Caio Júlio Cesar: “À mulher de César não basta ser honesta, precisa parecer honesta”. E foi a decisão mais sábia de sua vida, afinal Lula aprendeu que conquistar o poder é infinitamente mais fácil que mantê-lo.
(*) KLEBER LIMA é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso. E-mail: kleberlima@terra.com.br.
SUGESTÃO DE OLHO:
R20;Lula cedeu a cabeça
de José Dirceu para
salvar a sua própria:
Lula aprendeu que
é mais fácil ganhar o
poder que mantê-lo”
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