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Opinião
Sexta - 26 de Novembro de 2010 às 09:00
Por: José Nabuco Filho

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Neste período pós-eleitoral, muitas análises já foram feitas sobre os rumos políticos do país e sobre a campanha política. Muitas vezes, o papel do parlamento é tão enfocado sob o aspecto da política econômica, que sua função genuinamente legislativa acaba ficando em segundo plano.

No entanto, é conveniente que a sociedade se atente a certas questões relacionadas ao Direito.

Já afirmei em outro texto que o crime desempenha um papel emocional - quase catártico - na população. Desperta o medo, a ira e o desejo de vingança. Daí o Direito Penal ser um campo fértil para as propostas esdrúxulas, mais calcadas no emocional da população, que na busca efetiva de solução dos problemas criminais.

O Direito Penal desempenha o papel de proteção de bens jurídicos, como a vida, o patrimônio, a honra ou a liberdade sexual. Contudo, uma função desvirtuada do Direito Penal, é a chamada função simbólica, que em linguagem política nada mais seria que pura demagogia.

O Direito Penal simbólico, geralmente, se manifesta mediante propostas que visam explorar o medo e a sensação de insegurança. A intenção do legislador não é a real proteção dos bens jurídicos violados com o crime, mas uma forma de adular o povo, dizendo o que ele quer ouvir, fazendo o que ele deseja que se faça, mesmo que isso não tenha qualquer reflexo na diminuição da criminalidade.

Assim, quando um fato ganha repercussão, surgem propostas de aumento de pena, de supressão de direitos, de criação de novos crimes, mesmo que essa não seja a melhor alternativa para a real solução do problema. Em tais casos, o importante para o legislador é dar uma resposta que satisfaça o sentimento emocional de uma população atemorizada.

Um exemplo sempre apontado pela doutrina como uma manifestação do Direito Penal simbólico é a lei dos crimes hediondos. O crime de extorsão mediante sequestro, que era considerado por penalistas antigos como raro no Brasil, teve sua incidência aumentada, principalmente, por crimes contra pessoas notórias, ocorridos em 1989 e 1990. Com isso, uma sensação de insegurança foi criada, levando o legislador a editar uma lei repleta de imperfeições e inconstitucionalidades.

Apesar do seu rigor, não houve a diminuição desse crime. Ao contrário, a extorsão mediante sequestro, durante a vigência da redação original da lei dos crimes hediondos, atingiu índices bastante altos.  A lei, portanto, não atingiu a finalidade para a qual foi instituída, mas deu à sociedade uma sensação de que uma resposta rigorosa estava sendo dada.

Outro exemplo curioso é o assédio sexual. Houve um momento no país em que a inexistência de uma lei criminalizando o assédio sexual parecia ser a fonte de todos os nossos males. Diversas reportagens foram feitas, com maior ou menor dramatização, sempre sugerindo a banalidade da prática e a urgência de uma lei criminalizando-a.

A maioria dos especialistas afirmava que o Direito Penal não era a melhor forma de coibir o assédio, já que, pela dificuldade de sua comprovação e pela vagueza de sua definição, eram mais adequados outros ramos do Direito, como o trabalhista ou o civil. Apesar disso, em 2000, foi aprovada lei criminalizando essa conduta. Muitos festejaram, a autora do projeto deu inúmeras entrevistas, mas nada mudou...

Após dez anos da lei, raras são as decisões condenatórias. A lei do assédio teria tido o mágico efeito - que nenhuma outra lei penal jamais teve - de acabar com uma prática comum? Claro que não. Os casos de assédio continuaram ocorrendo do mesmo modo, mas o tema saiu da “pauta” e a sensação no povo parece ser a de que não temos mais esse problema.

Atualmente, não falta quem defenda a criminalização do assédio moral...

O Direito Penal é um campo fértil para a exploração da comoção pública, fazendo com que o legislador, menos preocupado com a solução dos problemas criminais que em obter dividendos políticos, aprove leis penais que nada contribuem para a diminuição da criminalidade, apesar de proporcionarem uma enganosa sensação de conforto na população.


*José Nabuco Filho é mestre em Direito Penal pela Unimep, professor de Direito Penal e Processo Penal da Uniban e de pós-graduação do Centro Universitário Claretiano.
Email: j.nabucofilho@gmail.com
Twitter: @Nabucofilho 



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