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Opinião
Sexta - 12 de Novembro de 2010 às 07:45
Por: Eduardo Mahon

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Estive refletindo sobre constantes declarações dos militares sobre "atividades subversivas" da época, com especial atenção para grupos armados. Todas as ações eram classificadas como "terrorismo". Quando a ditadura passou, relativizamos o termo "terrorismo", suavizando-o para "resistência", ainda que mortes indiscriminadas fossem cometidas.

Argumenta-se hoje, após revisionismos históricos, haver legitimidade na resistência armada, ainda que afetasse indistintamente cidadãos. Se há ou não, é assunto para a meditação dos cientistas políticos. O que aguça o debate é enquadrar como "não criminoso" (legítima defesa da nação, do povo, da democracia?!) um ato violento, ainda que contra um regime de força. É um dos assuntos mais interessantes do direito constitucional - a transição intertemporal entre regimes políticos.

Entretanto, chamo atenção para duas ramificações do problema: os governos militares não sobreviveram duas décadas apenas com a força bruta, pisando o povo com botinas. Muito ao contrário: contou com maciço apoio empresarial, midiático, social, burocrático - judiciário, ministério público e polícia, além de uma ampla base política. Uma segunda observação: qualquer reação civil contra um regime de força (autoritário e militar) é legítima? Incluindo violências como sequestros, roubos e homicídios? É possível encontrar alguma excludente de ilicitude?

Importa encontrar respostas. O Poder Judiciário, conivente à época (salvo raras exceções que somente confirmaram a regra) continua conivente hoje. A legislação que anistiou perseguidos políticos albergou os anônimos torturadores e recebeu a chancela dos magistrados recentemente, expondo o Brasil a uma constrangedora situação de réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos a contrapor tendência contemporânea quase unânime de julgar ditadores, torturadores e colaboradores de crimes contra a dignidade da pessoa humana.

Em resumo: nosso "povo cordial" tem muito a discutir. Nas culturas hispânicas, por exemplo, as ditaduras estão sendo objeto de severa investigação, presos políticos e desaparecidos não se contentam em receber apenas uma indenização - a sociedade exige julgamento. Ou seja - ditadura é tratada como ditadura e não "revolução". O pós-guerra também legou essa lição com nazi-fascistas, impondo nas academias européias e estadunidenses aprofundados debates acadêmicos sobre direito intertemporal a debelar legislação de exceção de forma retroativa.

O fato é que não gostamos dessa discussão. Preferimos esquecer. E, se não esquecemos, contentamo-nos com memoriais, museus, obeliscos e outras homenagens àqueles que resistiram e morreram. Apenas isso. Convivemos tranquilamente com aqueles velhinhos bonachões de pijama responsáveis por execuções, desaparecimentos, tortura. Temos compaixão, pena, indisposição de saber o que fizeram. "O que passou, passou", argumenta-se.

Aliás, não é incomum alguém suspirar "que saudade dos militares", no afã do eterno salvacionismo patriótico na base da quartelada. Precisamos urgentemente deixar claro à sociedade que os fins não justificam os meios. Até porque nem os fins, nem os meios da ditadura brasileira foram, de fato, positivos. Numa palavra, o período foi péssimo sob qualquer ângulo sensato.

Crescemos ficticiamente pagando um preço altíssimo ao suspender a credibilidade financeira internacional durante décadas; a corrupção entranhou-se no mecanismo de licitações de obras públicas e gigantes da mídia estabeleceram-se sob apadrinhamentos militares. Nossa vida cultural, institucional, acadêmica, foi reduzida a um maniqueísmo entre um abestalhado elogio cubano e um não menos ignorante nacionalismo panfletário.

De qualquer sorte, retorno à questão inicial: afinal, como deve ser julgado quem roubava bancos, metralhava fachadas de prédios públicos, armava bombas, matava inocentes, tudo em nome da "resistência"? De que forma as futuras gerações enxergarão aqueles "atos de rebeldia"? De outro lado - viveremos definitivamente nas lacunas do esquecimento e da indiferença com os "vovôs reformados"? São questões que valem uma discussão detida e honesta, cuidando não tombar para o revanchismo. Ainda assim, sinceramente não acredito que o silêncio seja uma boa forma de reconciliação nacional. Não é. Trata-se de preguiça e covardia.


Eduardo Mahon
é professor, advogado e membro da Academia Mato-Grossense de Letras. E-mail: eduardomahon@eduardomahon.com.br



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