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Opinião
Quarta - 10 de Dezembro de 2014 às 08:31
Por: Sebastião Carlos Gomes de Carvalho

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Morreu Manoel de Barros. Nunca, por aqui, se repetiu tanto a expressão “o poeta cuiabano Manoel de Barros”. Jornais, sites, autoridades fizeram referência ao fato. Uns com justo conhecimento do por que o faziam, outros apenas para não ficarem “por fora”. A biografia do vate nascido no bairro do Porto foi exaustivamente repetida ao longo da semana. Menos mal. Antes tarde do que nunca, ecoarão alguns.

Os governos da Capital e do Estado decretaram luto oficial. E então alguns tomaram conhecimento pela primeira vez do grande poeta que ele foi. Tão grande quanto o paradoxo de sua trajetória literária.

Embora fizesse poesia desde os anos finais da década de 1930, só iria ser “descoberto” em meados dos anos 80 quando Millôr Fernandes e Antônio Houaiss lhe fizeram altissonantes elogios. Em 87 ganhou o Jabuti, um dos mais importantes prêmios do Brasil, pelo livro ‘O guardador de águas’. A partir daí obteve reconhecimento nacional e internacional. E se ficou sabendo que fazia poesia desde os 13 anos e que, aos 21 anos, havia publicado, de modo artesanal, vinte e um exemplares dos ‘Poemas concebidos sem pecado’.

"A biografia do vate nascido no bairro do Porto foi exaustivamente repetida ao longo da semana. Menos mal. Antes tarde do que nunca, ecoarão alguns" Hoje é tido como um dos mais expressivos nomes da poesia contemporânea em nosso país. No entanto, só agora, com a sua passagem é que, em seu berço natal, lhe fazem tantas referências. Teve que, por primeiro, já passados dos sessenta anos, ser reconhecido nacionalmente. Repete-se com ele o mesmo que acontece com a maioria daqueles que se dedicam ao fazer literário. Para usar uma expressão sua, “com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira”. Então já ele tinha a consciência de que escrevia para o futuro. Ele que não era homem das inovações tecnológicas, das inutilidades modernosas. Dizia: “Porque eu não sou da informática:/ eu sou da invencionática. Só uso a palavra para compor meus silêncios”. E estabelecia a hipótese da admiração apenas para aqueles que o leriam com a inocência dos passarinhos e a sabedoria das árvores. O poeta sabia. E o soube desde sempre. A sua poesia é de antevisão: “A mãe reparava o menino com ternura./ A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta! /Você vai carregar água na peneira a vida toda./ Você vai encher os vazios /com as suas peraltagens, / e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!” Sim, o poeta é amado por seus despropósitos.

Assim é um dos grandes poetas do Brasil contemporâneo, a deixar uma marca indelével na poesia brasileira. Como todos aqueles que estão bem próximos da genialidade, o poeta nascido em Mato Grosso é inimitável na sua arte. Qualquer um que pretenda imitar-lhe, de imediato será identificado como mero imitador. Poucos na literatura ou na arte atingem esse patamar de unicidade. Nele tivemos a eloquência do silêncio, ou melhor, a força do entredito da humilde simplicidade da poesia. Ele respirou uma poética despojada da ostentação das palavras, quase digo, que as palavras para o poeta foram apenas caminhos para encontrar uma fabulação simbiótica entre a alma das coisas, da natureza, dos viventes, do ecossistema e do homem, irmanados na sua grandeza e pequenez, como se um só fossem, permanentemente espantados diante da mescla da vastidão do horizonte pantaneiro e a da singeleza das coisas simples.

Manoel de Barros situa-se, assim, entre os grandes nomes do fazer poético em nosso país. A sua linguagem, que percorre os caminhos do non sense, do fantástico e do maravilhoso, é extraída da verdade do cotidiano de seus irmãos pantaneiros. Mas é um equivoco imperdoável, tal como se viu, ressaltá-lo, com a ênfase como foi feita, de se tratar de “poeta pantaneiro”. Parecendo nisso estar entendido um criador circunscrito na exata medida do seu ambiente natural. Ledo engano. O poeta era um homem culto, cuja dimensão criadora caminhava do particular para o universal. Um dos tantos poemas em que se depreende tal alargamento de vivencias é “Aprendimentos”. Partindo do nórdico Kierkegaard, o menino que ele foi “Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens./ Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno / grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite! / Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles esse pessoal.”.

Mas o paradoxo matogrossense sobre Manoel de Barros continua. Falaram e escreveram tanto sobre ele nos últimos dias, decretou-se até luto oficial, mas ninguém se lembrou de que ele merece ter o nome lembrado numa obra ou num prédio público, numa escola, numa biblioteca, numa rua ou praça. Será que falaram bastante estes dias somente por que “lá fora” por primeiro falaram e tanto? Será a sina de Manoel de Barros a mesma de incontáveis outros homens de letras que, lembrados em sua terra no dia do velório, logo depois são esquecidos para sempre? Para só citar um nome, dentre tantos que poderiam ser: Quem se lembra agora de um seu amigo e contemporâneo, um dos maiores poetas nascidos neste Estado, Lobivar Matos, morto tão prematuramente e que deixou uma obra marcante?

A sorte é que, ainda em vida, esses homens sábios se vacinam contra as estultícias dos poderosos de ocasião. Em “O fazedor de amanhecer”, o nosso poeta reconhecia “Fui aclamado de idiota pela maioria /das autoridades na entrega do prêmio. /Pelo que fiquei um tanto soberbo./E a glória entronizou-se para sempre / em minha existência”. Deste modo é que, se não receber essas homenagens que para ele reivindico, sei que, estoicamente, não irá se abespinhar e ainda haverá de sorrir com malicia por debaixo dos bigodes. O poeta sabe que será lembrado para sempre. Um poeta assim não morre nunca. Longa vida, pois, a Manoel de Barros.



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