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Opinião
Terça - 15 de Fevereiro de 2022 às 08:05
Por: VICTOR MAIZMAN

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A Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso através de seus parlamentares já tem o número suficiente de assinaturas para constituir e instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, para apurar possível infração da ordem econômica na cadeia produtiva do leite e seus derivados, levando em conta inexistência de livre concorrência na relação entre as empresas de laticínio e os produtores de leite, abuso de posição dominante com imposição unilateral de preço pós-fixado e a prática de truste por conta do incentivo ao consumo do chamado de leite longa vida.

Consta das razões de tal requerimento que a cadeia leiteira do Brasil se destaca internacionalmente, ocupando uma colocação entre as 10 maiores produtoras mundiais.

De fato, de acordo com um Diagnóstico das Ações Relacionadas à Cadeia da Pecuária Leiteira em Mato Grosso, apesar do país ser detentor de grande produção agrícola, com destaque para os grãos e para a carne, o leite figura como o 3° maior valor bruto da produção do setor pecuário do país.

Porém, o setor vem apresentando queda neste indicador, passando de 32,66 bilhões de reais em 2014 para 29,94 bilhões de reais em 2017.

Mato Grosso, também figurando entre os 10 maiores estados produtores de leite no Brasil, tem sua relevância no cenário nacional e internacional. E de acordo com o apontamento efetivado pela Assembleia Legislativa, os pecuaristas leiteiros são predominantemente pequenos agricultores, agricultura familiar e, atualmente, enfrentam grandes dificuldades de ajustes comerciais com os laticínios, compradores de seu produto.

Neste contexto, a instituição desta Comissão Parlamentar de Inquérito, a ser denominada CPI do Leite, tem como objetivo apurar as causas do não prévio ajuste de pagamento entre o leiteiro e o laticínio, as razões pelas quais os preços do leite recebidos pelos produtores são tão baixos e os indícios da prática de infrações da ordem econômica na cadeia produtiva do leite e seus derivados, com destaque para os aspectos relacionados a formação do preço do leite recebidos pelos laticínios.

Portanto, o objetivo da CPI é investigar, dentre outras, as causas do não prévio ajuste de pagamento entre o leiteiro e o laticínio e as razões pelas quais os preços do leite recebidos pelos produtores são tão baixos.

De fato, a intenção do papel fiscalizador do Parlamento Estadual é apurar a prática de condutas que possam violar a livre concorrência, conforme assegurado com um dos princípios basilares da economia.

A Constituição Federal de 1988 apresenta um capítulo dedicado aos Princípios Gerais da Atividade Econômica. Neste, insere-se a livre concorrência como um dos fundamentos basilares e determina a repressão ao abuso do poder econômico que vise eliminar a concorrência, dominar mercados e aumentar arbitrariamente os lucros, ou seja, o princípio da livre concorrência, que se baseia no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida ou subvertida por agentes econômicos com poder de mercado.

Nesse sentido, é dever do Estado zelar para que as organizações com poder de mercado não abusem deste poder de forma a prejudicar a livre concorrência.

Deste modo, a livre concorrência, além de garantir os menores preços para o consumidor, também resulta na possibilidade de escolha por parte deste.

Contudo, sem prejuízo do poder/dever da Assembleia Legislativa de fiscalizar a cadeia produtiva no sentido de apurar eventuais condutas que minimizem a concorrência em detrimento do consumidor, por certo não lhe cabe buscar através de ato normativo tabelar o preço de qualquer produto, como também se pretende em virtude de um projeto de lei também apresentado perante o referido parlamento estadual.

Importante ressaltar que a Constituição Federal não autoriza que o Poder Público intervenha na economia ao ponto de impor preços através da prática de tabelamento, situação que difere quando identifica abusos, quando então a legislação federal assegura que haja revisão atendendo os ritos procedimentais e processuais próprios.

De todo modo, o nosso sistema constitucional prevê o mecanismo de fiscalização mútua onde possam ser identificados abusos na economia, porém da mesma forma impede que o próprio poder estatal usurpe de sua prerrogativa, mormente do poder de legislar.

Assim, é certo que o Poder Legislativo cumpre seu papel de fiscalizar as atividades econômicas e, como qualquer Poder da República, pode muito, mas não pode tudo!


Victor Humberto Maizman é advogado e consultor jurídico tributário.



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