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Opinião
Sábado - 19 de Fevereiro de 2022 às 08:25
Por: José Pedro Rodrigues Gonçalves

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“A história da humanidade torna-se cada vez mais uma corrida entre a educação e a catástrofe.” H. G. WELLS


Eis que o Brasil passa novamente (ou seria velhamente, pelo tanto que se repete?) pelas catástrofes causadas pelas chuvas de verão. Verão que só os responsáveis pela gestão das cidades só se preocupam com reeleição. Quando muito, com alguma medida que resulte em votos. Esta tem sido a prática política desde sempre. Evidente que existem exceções, mas estas são tão excepcionais que soam como um ponto fora da curva.


Elas, as catástrofes, surgem em muitos estados brasileiros, principalmente naqueles em que a topografia sinaliza, desde que se tenha pelo menos dois neurônios, que são passiveis de possíveis desmoronamento. E por que eles acontecem sempre?


A resposta deve ser buscada nas práticas históricas de muitos políticos adeptos do “venha a nós e ao vosso reino nada”, que só se preocupam e se ocupam de seus interesses.

Na ponta do processo, lá onde o problema realmente acontece, os recursos necessários à consecução de uma política habitacional que consiga retirar do eterno risco de morar em lugares perigosos, como as encostas dos morros, não consegue chegar. Mesmo que haja uma dotação orçamentária com destinação específica para isso, o cipoal burocrático, aliado à ausência de uma disposição de resolver o problema dessas moradias, fazem perpetuar o risco para essas populações mais pobres.

Eis que o Brasil passa novamente pelas catástrofes causadas pelas chuvas


Em 2011 o Brasil teve a pior catástrofe provocada pelas chuvas, com perto de mil mortes, só na Região Serrana do Rio de Janeiro, essas mesmas chuvas que todos os brasileiros conhecem bem. Como resposta oficial, veio uma “reação” bem à moda brasileira de resolver isso. Até que fizeram muita coisa: conseguiram detectar os pontos de risco graves, mapeando em grande parte do território nacional, mas ...


Segundo O Globo, o governo Bolsonaro reduziu em 75% o orçamento de 2021 para ações de prevenção a desastres naturais do Ministério de Desenvolvimento Regional, principal responsável por programas para conter eventos climáticos extremos. O recurso passou de R$ 714 milhões em 2020 para R$ 171 milhões no ano passado.


Em entrevista na TV o Governador afirmou, diante da catástrofe em Petrópolis, que não havia recursos para esse trabalho, mas, em seguida, o própria TV demonstrou com números que esse mesmo governo não havia utilizado nem metade dos recursos previstos. Penso que o problema, nem tanto, é da burocracia, mas da inapetência, do descaso e da criminosa irresponsabilidade que assassina anualmente centenas de brasileiros soterrados em avalanches nas encostas.


Por outro lado, esse mesmo dinheiro escasso e, mesmo assim, fatiado pelos burocratas da maquinaria governamental, abundam para os parlamentares cujos “méritos’ os tornam abençoados pela emenda do relator, cujo codinome é orçamento secreto. Esses endinheirados senhores de tantos poderes e sem cumprir os seus deveres, acumulam irresponsabilidades deixando em abandono as cidades, onde a pobreza campeia acelerada, por isso essa pobreza abandonada sobe os morros em busca de uma morada.


Assim, empoleirados na beirada do precipício, penalizados, ali fincam seus barracos nos barrancos, lugar que não é propício. Está plantada a semente da desgraça sob os olhares cândidos das ditas autoridades, que fingem desconhecer o risco, o que não deixa de ser muita maldade.


Das incontáveis catástrofes que meus olhos, passados dos setenta, já assistiram, em todas elas, escuto/vejo a fala das autoridades (i)responsáveis proferindo juras que irão fazer tudo o que for possível para evitar deslizamentos, secas, desmoronamentos, assoreamentos dos rios para evitar enchentes, e todo um cortejo de promessas próximas de uma milagrosa mudança de conduta política. Mas, eis aqui o sempre presente mas... e fica nisso.

As cidades serranas do Rio de Janeiro, são os exemplos mais contundentes dessas promessas descomprometidas com as vidas perdidas nessas catástrofes.


Pensando um pouco, essa chuvarada desmedida, não foi causada por um castigo do Céu, mas pela sandice de senhores poderosos que desmatam as cabeceiras dos rios, as suas margens, desflorestam as coberturas vegetais para atender suas sanhas desmedidas de lucro às custas da destruição do equilíbrio ambiental.

Mesmo com milhares de documentos comprovando a necessidade de uma agropecuária sustentável, cujo conhecimento está aí mesmo, ao alcance de quem quiser. Entretanto, preferem o lucro fácil, mesmo que isso possa causar a destruição do próprio patrimônio a médio prazo. Mais uma vez, querem matar a galinha dos ovos de ouro só para comer a moela.


A cada ano que passa, mesmo com o alerta dos cientistas do mundo inteiro, fingem de surdos, adotam uma visão seletiva de só enxergar aquilo que atende exclusivamente seus interesses, para não aceitar o inexorável aquecimento global com todas as suas consequências para a vida na Terra.


Fenômenos climáticos cada vez mais extremos não conseguem aguçar a visão desses predadores ambientais, o que faz lembrar os habitantes da Caverna de Platão, incapazes de perceber outra coisa que não a própria sombra. De predadores ambientas, tornam-se predadores morais, na medida em que suas condutas promovem a eternização da miséria entre os mais pobres e do enriquecimento entre os mais ricos. A Pandemia demonstrou isso com muita clareza.


São seres anômicos, na visão de Émile Durkheim, condição em que a sociedade afrouxa a coerção moral sobre os indivíduos, levando-os ao desregramento e à delinquência. Não deixa de ser um destino a ser considerado para uma Nação na qual as autoridades estão reinventando a caquistocracia, promovendo a ascensão política de cidadãos menos qualificados ou menos escrupulosos. Eis um retrato do Brasil do Século XXI.


E a natureza está mandando o seu recado, aos gritos e aos berros de desespero daqueles que estavam se afogando na lama de Petrópolis, tendo seus familiares assistindo desesperados essa tragédia anunciada pelos serviços de meteorologia.


O silêncio dos governantes incomoda tanto quanto o grito desesperado dos atingidos pelos desastres naturais, artificializados pelo desprezo dos gestores, mesmo tendo um arsenal imensurável de saberes tecnocientíficos à disposição de todos os governantes desta Pátria desprezada pelos seus gestores.


Estes recados, que acontecem todos os anos, prosseguirão em sua vinda cada vez mais avassaladora a cada verão. Os gestores que virão, certamente verão dias piores se não prestarem atenção nesses recados, por isso não devem mais ficar calados e agir.


Sem ação, o próximo verão será pior e o número de vítimas será muito maior.

José Pedro Rodrigues Gonçalves é doutor em Ciências Humanas.



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