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Opinião
Sábado - 23 de Julho de 2022 às 07:09
Por: José Pedro Rodrigues Gonçalves

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Eis que a sanha desmedida de um progresso insidioso ganha corpo e se “legaliza” com muitas aspas sob a forma de um deletério projeto de lei - PL 561/2022. Golpe certeiro de um punhal que sangrará muitas vidas pantaneiras.

Sob a cândida justificativa de incentivar o desenvolvimento (de quem, há de se perguntar) regional, cria condições de possibilidades para a devastação dos campos alagados (quanta saudade deles!) para, em seu lugar a areia ressequida ganhar espaço. Não uma areia comum, mas uma areia encharcada de agrotóxicos, componente quase indissolúvel da agricultura de resultados questionáveis que se pratica por estas bandas.

Enquanto boa parte do mundo cria leis para garantir a saúde e a homeostasia da natureza, Mato Grosso caminha em sentido contrário. Quer garantir o seu lugar na desonrosa lista de predadores do mundo natural, sob a alegação de criar condições para que se produzam mais alimentos, embora seja um dos maiores produtores de comida do mundo. Mesmo assim, também ganha destaque na mídia nacional e internacional por causa da imensa fila de pedintes de restos de ossos de açougue para matar a fome. Este é o progresso que esses senhores poderosos conhecem.

Onde está esse desenvolvimento irracional, racista mesmo, que só beneficia os nababos e insensatos que desprezam o povo que trabalha para alimentar a sociedade brasileira? Essa Lei, criada para atender interesses de grupos, é mais um combustível para as queimadas, que se tornaram endêmicas na planície pantaneira e será a justificativa que faltava para sustentar a escalada de destruição da fauna e flora do Pantanal.


Por estas bandas, aprendi desde muito cedo, que miséria pouca e bobagem; agora vejo a materialização desse dito popular, pois a tal lei, de tão destrutiva que é, deve ter sido inspirada na Covid 19, porque autoriza o manejo de vegetação nativa, o uso do fogo, a introdução de pastagem exótica e a construção de empreendimentos de turismo, infraestrutura e abastecimento.

Que tal incluir também a construção de uma nova barragem, como aquela da Camargo Correia que causou estragos permanentes no Pantanal? Ou uma mineração de xisto betuminoso, ou até mesmo uma indústria petrolífera que poderá “apoiar” esses parlamentares que a história registrará como predadores magnânimos da vida pantaneira.

Criam leis como se pudessem controlar o mundo de complexidades que é a natureza. Sentem-se tão poderosos e tomados por uma soberba manifesta em seus discursos grandiloquentes, que permanecem cegos diante da realidade cruel das queimadas, consequências das secas originadas do desmatamento acelerado nos últimos três anos.

Devem gostar das músicas de Caetano Veloso, embora não consigam compreender o que está contido em suas maravilhosas letras, principalmente em Divino Maravilhoso - É preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / Atenção para as janelas no alto / Atenção para o asfalto, o mangue / Atenção para o sangue sobre o chão / Atenção, tudo é perigoso / Tudo é divino maravilhoso.

O que é divino e maravilhoso no Pantanal não é percebido, nem sentido por quem cria leis para destruir o sagrado espaço pantaneiro, querido e protegido pelo mundo inteiro, mesmo tendo o dever constitucional de garantir a sua integridade física para as futuras gerações. Certamente porque, de geração, só entendem daquela que produz lucros financeiros.

Triste Mato Grosso! O Pantanal e suas aves, o cerrado, as matas de galeria, os corixos, o capim mimoso, o cambará florido, os ipês com seus buquês encantadores, as flores do aricá, os curimbatás, dourados e cacharas, ariranhas, capivaras, os tuiuiús e araras, os buritis e camalotes, a saracura três potes, onde irão viver? Com muita certeza, não será no espaço poluído do Parlamento mato-grossense, onde não encontrará condições ecológicas, mas escatológicas, certamente, pois é de lá que veio o punhal de fogo que foi incorporado ao arsenal destrutivo da vida pantaneira.

O luto do Pantanal precisa ser transformado em LUTA PELO PANTANAL. Em meu livro poema Geopoesia Pantaneira, convoquei os pantaneiros, os brasileiros, os estrangeiros a lutarem contra a destruição do Planeta Pantanal, para que, em futuro próximo, não precisemos construir um Pantanal em Marte, como querem alguns cientistas desprovidos de cérebro, substituído por um chip qualquer.

O falacioso discurso de soberania nacional só é entoado por quem acredita que a terra é plana e que vacina mata. A intrincada teia da vida, de todas as vidas, não consegue sobreviver se cada um dos seus elementos componentes se isola, não se conecta com todos os outros seres vivos; desde os gigantes, como os elefantes, até os microscópicos nanobes, as menores formas de vida já encontrada. O "nano" vem de seu comprimento, de 20 a 150 nanômetros (bilionésimos de metro).

Mas, conhecimento científico não costuma fazer parte do restrito repertório intelectual de muitos políticos, acostumados a reproduzir, como bonecos de ventríloquo, apenas aos balbucios de alguém que os manipulam.

Você, que está lendo este texto, já pensou que seu filho, ou seu neto, só saberá da existência do Pantanal pelo Google? Nunca terá a oportunidade de sentir o perfume que exala da brisa que sopra suave na Baía da Gaíva? Não saberá a diferença entre a flor do Camalote e a flor da Vitória Régia? E ainda poderá perguntar se essa tal Vitória não seria a bisavó da Rainha da Inglaterra?

Muita gente, com certeza, não sabe o que é vida na sua plenitude natural. Ou só conhece leite que vem em uma caixa de papel e deseja saber por onde essa caixa sai da vaca. Absurdo o que estou dizendo? Então por que tanta gente escreve, como nos achados da Serra da Capivara, onde os povos ancestrais escreviam somente símbolos, emojis, carinhas, mãos para cima ou para baixo, como costumam fazer no WhatsApp?

É sobre isso que estou falando, sobre sobrevivência da condição humana, como humano e não como sobrevivente de um mundo destruído pelo próprio ser humano desumanizado. E tudo pode começar pelo primeiro passo, a destruição do espaço de tantas vidas, que deixam a humanidade comovida pela poesia exalada, emanada da beleza e do abraço que a natureza nos propicia toda hora, todo dia.

Então, pois! Mãos à obra! Lutar e não enlutar! Só que nossas armas não são fuzis, são livros, saberes e sentires vindo do fundo da alma e nunca da arma.

Pelo Pantanal, lute!

José Pedro Rodrigues Gonçalves é doutor em Ciências Humanas.



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