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Opinião
Quinta - 25 de Agosto de 2022 às 12:38
Por: Paulo Wagner

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Aqueles dias foram marcados pela ansiedade, não sei se devido ao excesso de café ou a urgência dos compromissos que me envolviam.

Os pensamentos vinham como turbilhão, tudo parecia tão automático que às vezes tinha que voltar em casa para saber se tinha fechado devidamente o portão. Uma velocidade parecia contaminar o mundo, os afazeres e as pessoas ao redor, impondo um ritmo absurdo e devorador.

Mas naquela manhã nublada, a alegria dos passarinhos, propiciada pela chegada das chuvas, instalou em mim um estado inexplicável que me fez sentir, como nunca, a doçura de uma ameixa que acabara de levar à boca.

O paraíso estava ali, bem a minha frente, quando comecei a saborear compassadamente, com uma intensidade inesperada, cada fio daquela polpa macia que contrastava perfeitamente com o azedo leve da casca.

Parecia que havia passado a vida longe do presente, como se o agora fosse algo inacessível e fugaz como um relâmpago, a esconder entre as nuvens sua forma, seu brilho e intensidade.

Comecei a pensar que antes daquela ameixa estar ali, ela tinha se feito flor e crescera devagar, sol a sol, lua a lua, sob os cuidados de alguém que, com paciência, esperou seu crescimento e o dia da colheita. Uma ameixa que, apesar de única, era o resultado da conjunção de todos os elementos: o fogo, a terra, a água e o ar estavam ali, como o tenro fruto de uma alquimia inigualável e simples.

Percebi, também, que aquele eu independente e único que eu pensava ser, nada seria por si só. Vi que para ter a sensação de caminhar no agora, necessitava de um teia feita de tudo que me cercava para continuar vivo.

De um chão para firmar meus passos, dos seres mais ínfimos que habitavam meu corpo, do equilíbrio entre os planetas que mantém a terra em órbita no espaço, das nuvens que transportam os rios voadores da chuva, do ancestral mais longínquo que permitiu que gerações se sucedessem até chegar em mim. Descobri que não somos, mais intersomos com tudo que existe numa simbiose inseparável e atemporal.

Há alguns anos um amigo havia me dito que Deus está nos detalhes, mas nunca pensei que a simples alegria dos passarinhos com a chegada das chuvas e aquela humilde ameixa que chegara à minha mesa, fossem capazes de revelar a grandeza que existe nas coisas pequenas ao nosso redor.

Daquele dia em diante passei a olhar tudo a minha volta com mais atenção e descobri que o tão falado Reino de Deus é algo tão, simples, próximo e óbvio que termina por passar despercebido aos olhos apressados do dia a dia. Como um beija-flor que entra pela janela da nossa casas e desaparece num piscar de olhos!

Paulo Wagner é escritor, jornalista e mestre em Estudos de Linguagem e Literatura.



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