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Opinião
Terça - 07 de Fevereiro de 2023 às 06:52
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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A admiração está na raiz da boa prática filosófica; é seu princípio, conforme diziam os primeiros filósofos. Para Platão, essa admiração é uma emoção transformada em princípio único.

Para Aristóteles, aquele que duvida e admira sabe que ignora; por isso, o filósofo é também amante do mito, pois o mito consiste em coisas admiráveis. E Descartes, a emprega como atitude que está na raiz da dúvida e da investigação.

Assim, a admiração tem base de investigação, de conhecimento, “o sentimento apaixonado pelo devir” (Kierkegaard, fonte: Abbagnano).

Percebe-se que a admiração é o oposto do fanatismo pelos falsos mitos ou profetas. O nascimento e a consolidação destes se dá sem qualquer juízo reflexivo, de conhecimento profundo. As coisas ficam na superficialidade, na própria dimensão intelectual de quem “admira” (fanatiza).


Enquanto a admiração leva ao conhecimento, o fanatismo o força para uma determinada quadra pré-estabelecida, coloca-o sob uma bolha inspiradora de ilusão. Fechado e sombrio, impossível de aderir ou conviver com outras ideias, ou conceitos. Encerra-se em si.

Pessoas com ideias sempre simples, abandonam a complexidade para adesão às fórmulas que se assemelham a algoritmos (procedimentos mecânicos para a solução de problemas), como, por exemplo, diminuição da representatividade parlamentar ou mesmo o fechamento de instituições que poderiam estar centralizados numa figura pública específica, “sem necessidades de gastos” em discussões que “perdem tempo”. São os adeptos do discurso uniforme, da unidade, do espírito de corpo, da singeleza a contrapor o tempo e a argumentação do debate.

Receber e transmitir dogmas é mais pragmático que formatar ideias nascidas do debate e da dialética. Vestir-se de cores iguais e professar coisas aparentemente hilárias é o mote e consequência dessa falta de densidade intelectual. A unidade fabricada e não construída.

Hegel considera a alienação como o estranhamento da consciência por si mesma, pelo qual ela se considera como uma coisa. A coisificação no fanatismo é a alienação completa e total da divergência. Não há atributos mentais que resista a esse “processo”, de rito rígido, implacável e constante, quando instalado.

A pior face da alienação é a simbiose mítica da falta de admiração (causa primeira da busca por conhecimento) com a religiosidade. As coisas prontas o são como são e nada mais há acima da verdade absoluta verticalizada.

Um sistema de crença, alçado à categoria instrumental de propulsão de bem estar e felicidade, é impenetrável por qualquer outra teoria que não as fundantes dele próprio.

Dar um sentido à vida baseado não em evidências, mas em fé tão somente, é primoroso para a manutenção, perpetuação e fortalecimento da consciência que se torna estranha para si mesma, não se reconhecendo. Mas não é ela que se vê assim, mas o homem enquanto ser que está no mundo, percebido por outro ser do mundo, e sem percepção reflexiva sobre a natureza das coisas e muito menos do que se tornou.

Que o apetite fomentador dos propósitos, dos mais irracionais, encontre na natureza de todas as coisas, sua barreira intransponível, pois, se possível avançar, será a perda da identidade e dignidade humana.

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia e é magistrado.



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