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Opinião
Sexta - 24 de Fevereiro de 2023 às 04:02
Por: Rosana Leite Antunes de Barros

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O dia 20 de fevereiro para a mitologia romana é conhecido como o dia da Deusa Muda (Dea Muta), também chamada de Deusa Lara, Lalá ou Tácita. Silenciar mulheres é algo visto e ouvido sempre.

Tácita, pela tradição romana, era uma jovem tagarela e que não conseguia guardar segredos. O falado ‘lalalala’ é usado para significar fala desmedida e cansativa, e vem justamente do apelido da Lara, Lalá.

Tácita, principalmente para a linguagem jurídica, se perfaz em algo que não pode ser traduzido em palavras, como se oculto ou subentendido estivesse não necessitando ser dito.

Ela, ao contar para a esposa de Juno uma das traições de Júpiter, foi por ele castigada a receber o silêncio e teve a língua cortada. Mercúrio foi chamado para assassinar a mulher, que, ao contrário, por ela se apaixonou.


Com ela, Mercúrio teve dois filhos que se chamavam “Lares”, que tinham a missão de proteção das casas, cidades e encruzilhadas. Lara passou a pertencer ao mundo inferior, e ficou conhecida, também, como deusa do silêncio ou da virtude.

A história acima é carregada de explicações. Sempre foi dito que as mulheres sábias são as caladas. As elogiadas por serem “quietinhas” são aquelas que estão prontas para cuidar, atender, e se desmanchar em favores sem absolutamente nada em troca.

O silêncio e a escuta atenciosa são virtudes das mais raras, tidas, inclusive, como graça divina. Entretanto, estes não podem, e nem devem ocorrer a fórceps. Precisam de naturalidade, para que amadurecimento e sabedoria advenham.

A verdade é que as mulheres acabam sendo silenciadas para que não participem ativamente da vida, ou, para que não tenham o ‘poder’ de dizer o que pensam.

A voz das mulheres, ao que parece, são cortadas para que não ecoem as suas alvissareiras opiniões. Quantas mulheres são taxadas de falarem demais? E quantas precisam se calar para não ofuscar a voz do companheiro?

Alguns termos em inglês surgiram para explicar situações de desmerecimento à mulher, patrocinado por homens. O manterrupting é a descrição de uma situação em que o homem interrompe a fala da mulher antes que ela termine o raciocínio. A tradução do vocábulo apresenta o significado clássico para o que se tem visto: interrupção masculina.

Mansplaining é a explicação do homem sobre coisas óbvias que a mulher tenha falado. Já o bropriating é a apropriação da fala da mulher, primeiramente a desprezando, e, depois dela se utilizando. O gasligting é a manipulação psicológica com a dúvida na fala feminina.

É muito constante ouvir que mulher não sabe o que fala. Que mulher com voz alta, é louca, desvairada ou agressiva. Ou, que o discurso proferido por mulheres é tido como pouco interessante. A violência política contra as mulheres tem acontecido constantemente por conta da fala feminina, mesmo com a positivação delitiva.

É claro que essa crença advém de a mulher ter sido relegada por muitos anos ao ambiente privado, tendo permanecido as falas para eles por muito tempo. Isso se deve, também, para que a eles, os homens, fosse creditado o poder do conhecimento.

Muito pertinente foi Conceição Evaristo no poema Vozes-Mulheres, do qual destaco um trecho: “A voz de minha filha/ recolhe todas as nossas vozes/ recolhe em si/ as vozes mudas caladas/ engasgadas nas gargantas/ A voz de minha filha/ recolhe em si/ a fala e o ato.”

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.



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