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Opinião
Sexta - 03 de Março de 2023 às 09:14
Por: Caiubi Kuhn

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Há 10 anos, uma manifestação que buscava melhorias na política de assistência, direcionada aos estudantes oriundos das famílias mais pobres da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), sofreu uma forte repressão da Polícia Militar, culminando com 10 pessoas feridas por munição antimotim e balas de borracha (sendo 9 estudantes e um cidadão que trabalhava na calçada), seis estudantes e até dois advogados presos indevidamente.

A luta do dia 6 de março de 2013 continuou com uma ocupação da reitoria da UFMT, que durou 13 dias e acabou com assinatura de um acordo com muitos compromissos e promessas. Mas por que esses estudantes estavam nas ruas fazendo essa manifestação pacífica, que foi tão brutalmente reprimida?

Cursar uma faculdade, durante muito tempo, foi algo comum apenas para os filhos das famílias com melhores condições econômicas.

Para muitas famílias pobres, conseguir auxiliar um filho durante o período na universidade, arcando com custos com alimentação, moradia e outras necessidades básicas, era uma missão impossível.


Devido a isso, em 2008, foi criado o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), que serve para auxiliar os estudantes que vêm das famílias de baixa renda a se manterem na universidade, possibilitando a ascensão social dessas pessoas. A luta do dia 6 de março de 2013 ocorreu para garantir justamente esse tipo de política, ou seja, para que os estudantes de famílias pobres também pudessem cursar uma graduação em universidade pública.

Entre os estudantes que estavam nas ruas, havia aqueles que já estavam para se formar. Mas então por que lutar? Pelo simples fato de saber que se eles tiveram um teto e apoio, durante o período que cursaram o ensino superior, foi porque alguém, alguns anos ou décadas atrás, lutou para aquelas políticas de assistência estudantil existirem. Então, a luta era pelo próximo, pelo estudante que ainda entraria na universidade.

Diferentemente do que foi observado no início de 2023, no Congresso Nacional, onde ocorreu uma manifestação que causou alguns milhões de danos, com muitos crimes cometidos e poucos tiros disparados, naquele dia 6 de março de 2013, mesmo em uma manifestação pacífica, onde jovens estudantes lutavam pelo direito à educação, a Polícia Militar não poupou bala e agressões, ferindo direitos constitucionais daqueles que ali estavam.

As palavras de um policial: “vai procurar na justiça seu direito”, seguida por uma bofetada no rosto de um estudante, que caiu no chão e ficou na mira de uma espingarda, são agressões que marcaram esse momento e ficaram gravadas em um vídeo. Uma década depois, os processos judiciais relacionados ao caso já estão concluídos. E, sim, tanto o Estado de Mato Grosso foi condenado a pagamento de indenização, quanto um dos policiais que lá estava foi condenado pela ação truculenta contra a manifestação pacífica.

Os estudantes que estavam nas ruas naquele dia, hoje são servidores públicos, professores, pesquisadores, empreendedores, funcionários de sucesso na iniciativa privada, entre muitas outras funções. Isso desconstrói qualquer discurso daqueles que chamavam de “vagabundas” aquelas bravas pessoas que brigavam pelo direito à educação e à dignidade.

Mas, e quais foram os resultados daquelas lutas?

O sangue dos estudantes que escorreu pelas ruas resultou na ampliação do horário de funcionamento do restaurante universitário, com a criação de refeições vegetarianas e café da manhã.

A casa de estudante de dentro do campus teve melhorias. Porém, a construção de novas casas, prometidas no acordo de desocupação da reitoria, nunca foi cumprido e a UFMT continua a oferecer poucas vagas de moradia estudantil até a data de publicação deste artigo.

O dia 6 de março é emblemático para todos que estavam na manifestação. O desrespeito aos direitos constitucionais e a necessidade de lutas que garantam a possibilidade de progressão educacional e acesso a condições sociais melhores são tópicos e lembranças marcantes.

Para mim, que lá estava e que até hoje guardo cicatrizes do tiro que recebi, e vejo na universidade um suporte insuficiente direcionado a estudantes que precisam de atenção e amparo, a luta daquele dia é uma luta ainda inacabada.

A educação transforma, mas essa transformação só acontece quando é possível o acesso e a permanência. E isso só acontece com políticas públicas que garantam o mínimo para aqueles que mais precisam. A educação é a melhor e maior ferramenta de transformação social, e por isso precisa ser um direito de todos.

Caiubi Kuhn é professor na Faculdade de Engenharia (UFMT), geólogo, especialista em Gestão Pública (UFMT).



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