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Opinião
Sábado - 24 de Junho de 2023 às 03:49
Por: Ivo Leandro Dorileo

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Entre os temas de interesse do povo brasileiro relacionados às questões energéticas está a oferta e a distribuição do gás natural (GN). O sacrificado consumidor, que não dispõe da famigerada tarifa de eletricidade a preços módicos e nem sequer cozinha com um gás igualmente mais barato, sem infraestrutura adequada de transporte e distribuição, ainda enfrenta as interferências cometidas no cada vez mais complexo setor de energia.

No início deste 2023, o governo federal fez uma declaração conjunta com o governo argentino de que o BNDES financiaria parte do gasoduto Vaca Muerta a Buenos Aires naquele país no valor de R$ 3,5 bilhões. A par do modelo a ser aplicado no empréstimo e da abundância de gás de xisto daquela região (Vaca Muerta), o fato é que o Brasil é quem precisa, urgentemente, investir em infraestrutura de gasodutos.

Existem diversos campos de exploração de gás natural no Brasil e as perspectivas de oferta, conforme o Plano Decenal de Expansão 2030, apontam para um pico máximo de produção de 183 milhões de m³/dia em 2028, com maiores contribuições das Bacias de Santos, Campos, Solimões e Parnaíba. E a partir de 2025 espera-se um aumento na produção líquida de GN através de novos projetos nas Bacias de Sergipe-Alagoas e Solimões. Nestas circunstâncias, a expansão na infraestrutura de escoamento de GN é contemplada no planejamento nacional cujos projetos indicativos somam 531 km de extensão com investimentos de R$ 2,63 bilhões somente nesses sites.

A oferta doméstica de GN não tem sido suficiente para a demanda de 72,5 milhões de m³ e culmina com a importação de 25 milhões de m³ em 2022, uma incongruência num país que possui reservas e reinjeta praticamente metade do gás que é extraído dos campos do pré-sal na Bacia de Santos (que, para a Petrobras, é uma técnica da qual não pode abrir mão), além de importar gás natural líquido (GNL) dos Estados Unidos, Reino Unido, Nigéria, Argentina, Angola, Singapura, Catar, Trinidad e Tobago e Suíça.

Prezar pelo planejamento é papel do governo e, no caso do Brasil, os elevados montantes de investimentos para expansão de nossos sistemas energéticos requerem atenção e responsabilidade das autoridades, sobretudo no princípio da precaução que afirma: “as decisões no setor de energia costumam ter consequências no longo prazo... [especialmente] em um ambiente de incertezas e transformações, com a possibilidade de ocorrência de eventos com grande impacto e totalmente inesperados...” (Empresa de Pesquisa Energética - EPE, Ministério de Minas e Energia, 2020, Plano Nacional de Energia 2050).

O gás natural é um combustível de ótima eficiência na cadeia energética e vetor essencial na transição atual, que beneficia todos os setores da economia, o conjunto de toda a sociedade, e foi o motor do desenvolvimento dos países mais ricos. O seu aproveitamento no Brasil é uma questão indiscutível, exigindo ampliação da capacidade instalada de processamento, expansão da infraestrutura de escoamento e transporte, inclusive rumo ao interior, e viabilidade econômica e segurança no abastecimento.

Na questão do fornecimento de gás de cozinha para o setor residencial, ao comparar o GN com o gás liquefeito de petróleo (GLP), seu concorrente, com infraestrutura predominante através de transporte rodoviário, a política sustentável para o gás natural está longe de garantir sua disseminação e de fazê-lo alcançar confiabilidade e atratividade. Na atualidade, 97% do gás natural são consumidos nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste do Brasil, e, na perspectiva da estratégia para disponibilização do gás, é importante a reavaliação das políticas e dos respectivos mercados dos sistemas isolados do Centro Oeste e Norte, por exemplo, construindo-se o gasoduto Sudeste-Norte previsto no Plano Indicativo de Processamento e Escoamento de Gás Natural - PIPE 2021 e Plano Indicativo de Gasodutos de Transporte - PIG 2022 da EPE. Os projetos de interiorização somariam R$ 20,5 bilhões conforme o PIG 2022.

A expansão termelétrica é outro desafio, pois os preços da eletricidade produzida nestas usinas precisam ser competitivos e integrar-se aos novos modelos de mercado de gás e do setor elétrico de convergência entre a estabilidade na produção de GN e a flexibilidade de geração elétrica. E não atingimos estes objetivos. As termelétricas tem operado de modo complementar à fonte hídrica, com demanda de perfil sazonal e períodos de seca, requerendo, além de novo modelo de operação para aproveitamento do gás nacional, estruturação de uma malha de gasodutos até as termelétricas que poderão permitir ao setor elétrico otimizar os seus recursos e aumentar a geração térmica complementar.

Há contradições que interferem diretamente no planejamento indicativo. Antes de tudo, o país deve desenvolver um mercado líquido de gás natural, competitivo e eficiente, fazer funcionar efetivamente o Programa Novo Mercado de Gás, com incentivo do governo, e transformar o gás, de fato, num bem público. Mas, tudo isto só alcançável com trabalho junto às autoridades em harmonia e com aprimoramento contínuo das políticas energéticas, da regulação e do próprio planejamento.

Ivo Leandro Dorileo

* Engenheiro Eletricista, Doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela UNICAMP; Membro ex-presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético - SBPE

E-mail: ivo.leandrod@gmail.com



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