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Opinião
Domingo - 10 de Dezembro de 2023 às 04:08
Por: Aline Aurea Martins Marques

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A linguagem simples pode ser conceituada tanto como uma técnica de comunicação quanto como uma causa social que tem como principal objetivo transmitir informações de maneira mais clara, objetiva e inclusiva.

Nos últimos meses, têm sido numerosas as notícias sobre a edição de leis, notas recomendatórias, orientações normativas e pactos sobre linguagem simples e, embora possa parecer para muitos só mais um tema da moda, a verdade é que diversos países já debatem a questão há décadas.

Particularmente, tenho recebido com muita alegria cada notícia a respeito do avanço da discussão sobre o uso da linguagem simples no Judiciário e em todas as esferas da Administração Pública no Brasil que chega até mim.

Entender e ser entendida é uma preocupação que sempre me acompanhou.


Quando precisei escolher uma habilitação no curso de Letras, optei pelo francês não só pelo seu charme, mas também por ser a língua com a qual eu tinha menos contato dentre as opções disponíveis na universidade onde me formei.

Já na faculdade, descobri que não queria só entender francês e ser entendida em francês, queria que outras pessoas também tivessem essa possibilidade. Enfim, apaixonei-me por ensinar.

Em 2014, já estava formada quando Cuiabá recebeu um grande fluxo migratório de haitianos. Comecei a observar nas ruas e nos estabelecimentos comerciais muita dificuldade na comunicação.

Minha preocupação e meu incômodo agora não se limitavam mais a mim, mas também se estendiam aos outros.

A linguagem atravessa todos os aspectos da atividade humana. Não conseguir se comunicar bem dificulta muito a vida de qualquer pessoa. Assim, quando surgiu a oportunidade de ensinar português para os imigrantes que aqui estavam, não hesitei em aceitá-la.

A experiência foi tão gratificante e enriquecedora que decidi me dedicar aos estudos nessa área. Então, em minha pesquisa de mestrado, discuti as políticas linguísticas para o acolhimento de imigrantes no Brasil. Em poucas palavras, tratei das iniciativas governamentais voltadas para o ensino de português para imigrantes e refugiados.

Apesar de gostar muito do tema que pesquisei, a vida me fez seguir outro caminho profissional, e eu acabei trabalhando com revisão de textos da área jurídica num órgão público.

Minha carreira mudou um pouco de rumo, mas a preocupação com a necessidade de clareza na comunicação permaneceu aqui comigo.

Ficava profundamente incomodada todas as vezes que me deparava com textos que, apesar de estarem escritos em português, pareciam redigidos em língua estrangeira, tamanha era minha dificuldade para entendê-los.

Linguagem excessiva e desnecessariamente técnica e rebuscada, jargões, construções de frases incomuns…

Sempre que o autor do texto que eu estava revisando me dava abertura, eu pedia permissão para não só corrigir eventuais desvios gramaticais, mas também sugerir alterações para deixar a escrita mais clara. Afinal, aquele texto não era só para mim, para meu chefe e para meus colegas de trabalho. Aquele texto, no final das contas, era — ou, pelo menos, deveria ser — para todo mundo. Todo e qualquer cidadão brasileiro alfabetizado deveria ser capaz de compreendê-lo sem grandes dificuldades.

Aos poucos, consegui fazer com que algumas pessoas ao meu redor atentassem mais para a importância de escrever de forma mais clara, objetiva e acessível.

Porém, por muito tempo me senti sozinha. Por muitos anos achei que a preocupação em tornar os textos na Administração Pública mais acessíveis era só minha e de outras pouquíssimas. Que alento saber que não é. Que maravilha ver tanta gente compartilhando dos mesmos anseios.

Que venham mais leis, notas recomendatórias, orientações normativas e pactos sobre linguagem simples. É evidente que eles não são suficientes para resolver o problema da falta de clareza na comunicação na Administração Pública, mas são muito bem-vindos porque certamente servirão para ampliar o debate sobre o tema em nosso país.

Quanto a mim, continuarei preocupada e, nas revisões que faço, sempre que me permitirem, trabalharei para deixar os textos mais acessíveis. Além disso, tentarei aproveitar minha felicidade e empolgação por saber que não estou sozinha para escrever mais a respeito do assunto.

Aline Aurea Martins Marques é servidora pública estadual, revisora de textos, mestra em Linguística Aplicada e bacharelanda em Direito.



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