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Cidades/Geral
Sexta - 08 de Março de 2013 às 17:01
Por: Lidiane Barros

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Entre os 28 desembargadores do Tribunal de Justiça, há apenas cinco mulheres. Tomando como ponto de partida esses números é fácil constatar que ainda há muito espaço a ser conquistado no mais alto escalão estadual do Judiciário. Cada vez mais elas reafirmam sua capacidade – como se fosse necessário – e dissolvem o discurso de que a sensibilidade – tão banalmente associada à mulher, sexo frágil – não conferem à realidade de uma das personalidades mais marcantes no universo jurídico em Mato Grosso. A desembargadora Maria Helena Povoas é feminina sim, mas é demonstra muita fibra, especialmente quando se ampara em toda sua trajetória para “fazer justiça” e críticas à fragilidade do universo das leis. Segundo ela o Judiciário ainda tem muitas falhas para atender à modernidade da lei. “O sistema estatal das delegacias são bastante arcaicos. Como você quer que uma lei dessa envergadura seja suficiente? Isso é uma engrenagem. Um dente que não falhar, ela não funciona. O sistema não recupera, não cumpre seu papel social. É um depósito humano, um lixo humano”. 

Em entrevista ao Olhar Jurídico ela relembra causas “pitorescas” que defendeu, o período de atuação à frente da OAB e como o Judiciário aprendeu a digerir a presença feminina. Lei de cotas em partidos políticos e universidades também entram na pauta. “Não se derruba preconceito com lei. A questão é cultural e não legal”.

OD - Remexendo a memória, a senhora se considera uma pessoa idealista? Foi assim desde o período da faculdade? 
Eu não fui uma jovem muito diferente das milhares que existem por aí, mas sempre tive um olhar crítico sobre o momento. Me formei aqui na UFMT, o período era a ditadura militar. Você abria as páginas dos jornais e não via uma crítica ao sistema, um artigo que abordasse as mazelas do momento, você não ouvia falar sobre DOI-Codi, você não sabia o que se passava. Naquele momento eu já mostrava uma inquietação. Era inadmissível não poder reunir os alunos no Parque Aquático porque dava confusão. 

OD – E haviam muitas mulheres na sua turma? 
Naquela turma já existiam várias mulheres, era 1977. Logo depois eu me formei na turma de 82, já tinha um número considerável de mulheres. Eu fui fazer o segundo ano da faculdade fora, porque à época fui acompanhar meu marido que fazia pós-graduação na USP, então como eu morava dentro da USP, acompanhei muito de perto os movimentos estudantis acalorados. Eu freqüentava muito o departamento de Geologia, de História onde era o foco intelectual de discussões políticas e onde geralmente, a primeira ‘borrachada’ acontecia, mas quando voltei, terminei a faculdade aqui, já comecei como todo recém-formado, com muita dificuldade, escritório humilde, mas sempre perseverante dizendo que era isso que eu queria e isso que eu ia continuar fazendo. Tinha poucos livros, uma estrutura muito frágil, mas eu nunca entreguei os pontos. O meu pai sempre deu a varinha, nunca foi de ficar trazendo peixe pra ninguém. Deu o estudo e transferiu a biblioteca pequena que ele tinha, porque ele era professor de direito penal, porque os livros que ele tinha eram de direito penal. Os demais livros eu tinha que adquiri-los. 

OD – Você disse a primeira causa que defendeu teve direito a pancadaria. Como foi? 
Foi na Comarca de Rosário Oeste, aliás, à época, Rosário Oeste não era Comarca. Nobres, melhor dizendo. A causa era em uma terra e Nobres não era Comarca, era Rosário Oeste. Eu fui a essa audiência possessória e o juiz marcou uma inspeção na área. Então eu me lembro que fui bastante receosa do quadro que poderia acontecer como de fato aconteceu. As partes trocaram insultos e sopapos, safanões. O juiz não podia fazer nada, porque não havia ninguém, muito menos eu. Mas foi interessante porque a partir daí foi uma grande escola e desde quando eu era acadêmica, fazia parte do Tribunal do Júri e depois fiz algumas vezes já formada. C continuei até chegar a alguns colegas que me convidaram para entrar na disputa da OAB. 

OD – É verdade que a senhora conseguiu a proeza de pegar uma causa de negação de maternidade?
É sim. Já defendi algumas causas pitorescas, que alguns advogados às vezes passam uma vida inteira e nunca tiveram, nunca viram. A grande maioria desses advogados já viu negativa de paternidade, isso aos milhares. Eu tive uma e não conheço ninguém que tenha tido que foi negativa de maternidade. A pessoa adotou os sobrinhos. Sobrinhos que moravam na zona rural, não tinham registro de nascimento e registrou como filhos dela, todos e a diferença de idade era pouca, porque ela casou cedo. O marido aceitou a farsa, passaram 40 anos, ninguém falou nada, nem o filho nem ela. O marido morreu. E logo depois de prescrita qualquer ação ela levanta a negativa de maternidade dizendo que ela não era mãe deles e que ela queria rever a partilha. Os filhos sempre souberam. Os filhos ganharam, eu era advogada deles e levantei a tese de qualquer ação sobre o assunto estava prescrita e que ela foi copartícipe do processo que, diga-se de passagem, é um crime, sem passar pelo processo de adoção. E que ela queria aposentar àquela hora de sua própria torpeza, tirando vantagem disso. 

OD – E como foi na OAB? Há preconceito às desembargadoras? 
Fui a primeira mulher a assumir a presidência e até agora, a única. A primeira do quinto e também a única mulher, sou eu. Quando eu cheguei aqui você percebia. Nunca vi dentro da OAB nenhum preconceito porque talvez eu tenha fechado todas as comportas e talvez não tenha dado o espaço para esse tipo de tortura. Aqui começou a se esboçar, muito disfarçadamente alguma coisa nesse sentido, mas isso há oito anos atrás. Com o tempo, o Tribunal tirou uma roupagem velha, arcaica, carcomida e rasgada e assumiu uma nova vestiária, muito elegante, não está como a sociedade espera e como nós mesmos entendemos que deva ser. Há muito que fazer, tem que fazer uma interlocução muito aberta com o judiciário mas isso não é um processo que se faça da noite pro dia. Não se falava com a imprensa, não se falava com ninguém. Estava começando a ruir estas cortinas e nós estamos mostrando. Criticava deputado, vereador, menos o juiz. Hoje em dia você vê isso e glória a Deus que se vê isso que isso faz parte de um estado democrático de direito. 

OD – A democracia pode ser perigosa, não é mesmo? O deputado e pastor Marco Feliciano (PSC) foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara... 
Mas aí isso não é democracia não, isso é patifaria. Uma meia dúzia de parlamentares que quer enfiar goela abaixo um parlamentar que não tem nenhuma sumidade, ao contrário, que já fez calorosos discursos contra teses dos direitos humanos. É mesma coisa pra se colocar pra presidir dentro da comissão da mulher, um machista inveterado. 
Tenho uma visão bastante diferente dessa questão de cotas. Quanto tempo atrás que foi instituído as cotas para mulher na política. Resolveu? Não resolveu. Lei da Oferta e da Procura. É uma lei óbvia, ou seja, as mulheres tão servindo de massa de manobra pra atender um dispositivo legal os partidos políticos camuflam, botam as mulheres pra serem candidatas para preencher essa cota e depois elas não servem para outra coisa senão para atender um dispositivo legal. A mesma coisa, as universidades. Também acho que não se derruba preconceito com lei. A questão é cultural e não legal.

E a Lei Maria da Penha?
A lei é uma maravilha, mas isso destruiu o crime contra mulher? As estruturas são falhas no país inteiro. O Judiciário ainda têm falhas para atender à modernidade da lei. O sistema estatal das delegacias são bastante arcaicos. Como você quer que uma lei dessa envergadura seja suficiente? Isso é uma engrenagem. Um dente que não falhar, ela não funciona. Se a mulher denuncia, via de regra, daqui a pouco pode ser morta. Porque o estado não tem uma casa, não tem estrutura suficiente pra tirar aquela mulher dali e fazer com que aquele agressor responda e também, a estrutura carcerária. Nem é o caso de segregar essa pessoa. O brasileiro ta acostumado a fazer desse jeito. Não serve? Joga lá dentro, tranca lá dentro. E toda vez que uma comissão de direitos humanos, são rotuladas de benfeitoras de preso, isso não é verdade. Ela denuncia a precariedade do sistema carcerário porque está antevendo o que vai acontecer. Não dá para deixar que o chicote do Estado continue açoitando. Se ela for presa porque roubou uma bicicleta, ela vai sair e sair pior. O sistema não recupera, não cumpre seu papel social. É um depósito humano, um lixo humano.






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