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Cidades/Geral
Domingo - 17 de Julho de 2011 às 04:21
Por: Sonia Fiori

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O projeto de lei que autoriza a prefeitura de Cuiabá conceder à iniciativa privada a gestão da Sanecap, votado às "escuras" pelos vereadores da Câmara de Cuiabá, gerou perplexidade para a população, mas deixou ainda mais surpresos os servidores da empresa. Em meio a falta de garantias trabalhistas, funcionários tentam barrar a concretização do plano orquestrado entre o Executivo e o Legislativo municipais. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Saneamento Ambiental de Cuiabá, o analista de sistema Ideueno Fernandes de Souza, expõe um cenário onde o processo de sucateamento da Companhia faria parte de manobra minuciosamente estudada para facilitar mudanças e possível "calote". Natural de São Félix do Araguaia e conhecedor do funcionamento da empresa, ele garante nesta entrevista para A Gazeta, que a Sanecap tem sim condições de "sobreviver", mas que a gestão marcada pela interferência direta política engessa os trabalhos, sobrepondo os interesses da autarquia. Ele prevê consequências ainda sem precedentes para os trabalhadores e avisa, como A Gazeta já havia adiantado: "se passar para as mãos da iniciativa privada, a Sanecap vai perder os recursos do PAC".

Em que momento o sindicato tomou ciência da proposta aprovada pela Câmara?Logo depois do término da audiência pública no Plenarinho da Câmara, nós subimos para ver o que estava acontecendo na assembleia, que estava acontecendo ao lado, e tomamos ciência de que estava acontecendo alguma coisa com relação à Sanecap. Pedimos cópia para ver o que era e quando fomos ler, nós fomos tomados de surpresa com o conteúdo da lei.

 

Dentro da empresa havia algum rumor ou informações sobre essa proposta?

Desde que o prefeito Chico Galindo assumiu a gente tem uma suspeita de que ele buscaria a privatização. A empresa vem sofrendo um sucateamento, com falta de condições de trabalho, e a gente vem notando que tudo isso tinha um foco voltado para a privatização. Era para sucatear, deixar a população contra a Companhia para promover a privatização da empresa. Só que um passo para conseguir a privatização era a aprovação desse Plano Nacional do Saneamento, que estava sendo discutido na audiência pública. Então nós tínhamos a noção de que se o plano fosse aprovado a privatização vinha na sequência. Nós não esperávamos que eles estariam fazendo essa lei por trás antes de aprovar o plano. Havia uma suspeita naquele dia, mas em cima do Plano de Saneamento e não do jeito que eles fizeram.

A questão do sucateamento é visível na gestão do prefeito Chico Galindo ou já vinha ocorrendo antes?Desde a saída da professora Eliana Rondon a empresa vem sofrendo uma série de assédios políticos com diretores políticos, presidentes políticos, a série de DAS"s (cargos comissionados) sendo contratados, chegando a mais de 50 na empresa. Partiram de 20 para mais de 50, então a gente percebe que a Eliana foi a última gestora com foco no saneamento mesmo, depois disso começamos a ter uma série de desmandos e sucateamento, política e cargos de diretoria. Então, a partir daí percebemos que a empresa caminhava para uma situação ruim.

 

A empresa é autosustentável?

É claro que sim. A empresa tem capacidade para gerar lucro, mas o lucro não é um componente da tarifa. Como é uma empresa pública, não visa o lucro. Não existe esse componente tem que dar X por cento de lucro ao ano. Isso não faz parte. O que a empresa vê é o investimento no sistema, então se precisa investir X ela compõe isso na tarifa. Mas se fosse para sobrar dinheiro para dizer que gera lucro, com certeza ela geraria.

E tem capacidade para investimento, mesmo com as dívidas?Não, na verdade o que acontece é que a empresa operando o sistema consegue fazer sobrar dinheiro por mês. Mas o que o sistema de Cuiabá precisa para investimento é maior do que ela consegue fazer sobrar. Na verdade, hoje no Brasil apenas os governos têm condição de investir em saneamento. Tanto que a Lei federal de Saneamento gerou o Plano Nacional de Saneamento que está previsto no orçamento para investimentos do governo federal, por isso tem as obras do PAC. Porque na verdade somente os governos têm condições de investir em saneamento.

 

Como analisa a isenção de tarifa para entidades?O problema não é a isenção. O problema é que uma vez que se isenta, alguém tem que pagar. A Sanecap não está ali para falar quem deve pagar e quem não deve. Mas quem disser que aquela entidade não deve pagar, deve dizer quem vai arcar com aquele custo. O que está errado é isso. Fizeram uma lei dizendo que determinadas entidades religiosas e outras teriam a isenção da tarifa, mas não falaram quem iria arcar com aquela despesa. Então isso passou a ser um componente a mais de despesa que a Sanecap teve que arcar.

 

Temem a possibilidade de perder os recursos do PAC?Nós estamos vivendo um momento que parece que o governo conseguiu reativar o PAC junto ao Ministério das Cidades, então existe esperança desse dinheiro vir para Cuiabá. Mas se o sistema for privatizado esse dinheiro não será aplicado aqui. A Lei de Saneamento prevê claramente que os recursos são para concessões públicas. Então é preciso ter atenção e cuidado porque Cuiabá pode perder mais de R$ 300 milhões a fundo perdido.

 

São quantos servidores hoje?Cerca de 600.

 

O temor em relação à Lei é o artigo que prevê a falta de obrigação com as dívidas e com os servidores?

Sim, porque não tem obrigação de indenizar. Na Lei não fala nada a respeito dos funcionários, mas fala primeiro que a Sanecap não é mais detentora da concessão dos serviços, que passa a ser explorado pela prefeitura municipal de Cuiabá. A Sanecap continua prestando serviços até que a outra nova empresa seja contratada e diz que nem a prefeitura de Cuiabá, nem a nova concessionária arcarão com as indenizações para a Sanecap. Isso gerou total insegurança para os funcionários. Quem irá indenizá-lo uma vez que a Sanecap não tem sobra de caixa, uma vez que a Sanecap não terá tarifa e conta na rua para receber mais? Então não tem condições de arcar com a despesa, de pagar as indenizações trabalhistas, de saldar dívida com os fornecedores. Então a gente entendeu que seria dado um calote para que a nova empresa contratada chegasse no sistema sem nenhum tipo de dívida.

Qual a expectativa de vocês nesse quadro?Procuramos o Ministério Público, já fizemos encaminhamento e o MP fará investigação sobre legalidade ou não. Os trabalhadores ficaram bastante abalados, inclusive na manifestação da Câmara alguns perderam a noção, se excederam e quase partiram para a agressão, mas conseguimos tirá-los de lá e acalmar. Tínhamos que acalmar os trabalhadores, colocar para eles que a população não tem culpa da irresponsabilidade da Câmara, da prefeitura. A população não deve pagar por isso. Temos que cobrar deles (vereadores), do prefeito e da Câmara a responsabilidade do que fizeram, exigir uma resposta. Então vamos manter os serviços funcionando, provavelmente não entraremos em greve. E na sequência vamos colocar um projeto de iniciativa popular, porque nós sabemos que a população está do nosso lado então vamos colocar assinaturas da população num projeto de Lei que visa justamente rescindir essa Lei, que possibilita a privatização.

 

E quem irá apoiar o projeto na Câmara?Em princípio os vereadores, todos se prontificaram a ajudar os trabalhadores. Mas o fato é que entrou de recesso e não conseguimos falar mais com eles depois disso.

 





Fonte: Do GD

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