O Judiciário e o poder manco
Mais uma vez o Poder Legislativo brasileiro é atropelado pelo Judiciário.
O Supremo Tribunal Federal deu prazo de dois anos para os congressistas aprovarem
uma lei que fixe o percentual de cada unidade da federação junto ao Fundo de
Participação dos Estados (FPE), bolo constituído por 21,5% da arrecadação do
Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),
arrecadados pela União. O fez porque a matéria está pendente no Congresso há 20
anos e a sistemática até agora adotada para a distribuição dos recursos apresenta
sérias distorções, com prejuízos a uns e lucro indevido a outros Estados.
Toda oportunidade em que o Judiciário intervém em assuntos tidos como de
competência legislativa ou governamental, há uma grande onda de protestos e
inconformismos, especialmente junto aos parlamentares mais puristas. É importante,
no entanto, levar em consideração que o Legislativo nacional, manco, tem deixado
muito a desejar em termos de resolutividade. Qualquer projeto que ali caia sem o
interesseiro timbre do regime de urgência, negociado a peso de ouro entre os
autores e as forças políticas, passa anos e anos engavetado, cai no esquecimento e
acaba lançado à vala comum.
De acordo com levantamento realizado em 2008, pela Câmara dos Deputados,
por ocasião dos 20 anos de vigência da Constituição, 66 dos 250 artigos da Carta
Magna ainda carecem de regulamentação. Ao todo, são 126 dispositivos – artigos
inteiros, parágrafos ou incisos – que necessitam de leis complementares para a sua
validação. E onde estão os congressistas (?), pergunta, indignado, o cidadão
comum, que paga com sacrifícios os seus impostos e só vê falar mal de seus
representantes em Brasília. Os srs. deputados e senadores devem uma explicação ao
eleitorado, antes de torcerem o nariz quando o Judiciário os compele a trabalhar.
Têm de dizer, no mínimo, a razão de ainda não terem criado e votado os
dispositivos capazes de dar maior utilidade à Constituição e, por conseqüência,
melhor fluidez à vida nacional.
Ninguém gostaria de vez o Judiciário exercendo o papel de Executivo ou
Legislativo. Não é a sua função. Mas há que se admitir que, quando os poderes
político-administrativos deixam de cumprir suas obrigações, alguém tem de dar
respaldo à sociedade. No Brasil contemporâneo, essa força tem vindo do Judiciário,
do Ministério Público e de setores organizados da sociedade civil. Infelizmente,
ao Governo e ao Legislativo têm sobrado apenas o papel de vilão mercê dos
escândalos, do corporativismo, da impunidade e da apatia diante dos grandes
problemas nacionais.
Infelizmente, o Judiciário brasileiro tem sido obrigado a governar e
legislar. Ainda bem que o faz, evitando males maiores. A classe política, no
entanto, precisa acordar e evitar que o poder a ela confiado continue escorrendo
pelos vãos dos dedos...
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist.
Social dos Policiais Militares de São Paulo)
aspomilpm@terra.com.br
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