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Opinião
Quinta - 12 de Março de 2015 às 07:52
Por: Roberto Boaventura

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O Brasil é um grande produtor de notícias, tanto boas quanto más, possivelmente com alguma vantagem destas em relação àquelas.

Para comprovar, os últimos dias têm sido de tirar o fôlego, o que, paradoxalmente, pode dar fôlego a lutas necessárias aos “filhos deste solo”.

Dos últimos acontecimentos, destaco a tão esperada lista de políticos suspeitos de corrupção (também) na Petrobras. Mesmo todos se dizendo honestos, raro será um que escapará da condenação, caso a Justiça se faça valer.

Detalhe: a lista não parece estar incompleta, leitor? A sensação que tenho é que ainda as vacas e os peixes graúdos não foram expostos nesse lamaçal. Por isso, engolimos sapos.

Portanto, caso eu resolvesse seguir a pauta política para a opinião desta semana, este artigo caminharia por trilhas conhecidas. Todavia, como nesta “Pátria mãe gentil” – por conta de um DNA cultural ruim –, nascem muitos corruptos todos os dias, ainda veremos várias listas desse tipo de gente. Por isso, posso falar dessas listas em outras ocasiões.

A pausa que estou me permitindo servirá para destacar a morte de dois brasileiros dignos: José Rico, em 03/03, e Inezita Barroso, em 08/03.

Com a morte de José Rido, num trocadilho, nosso país fica mais pobre, pois perde um cantor querido da música genuinamente sertaneja. Com a morte de Inezita, no dia Internacional da Mulher, o país perde uma grande artista: atriz, cantora, artesã em tempos do predomínio da guitarra elétrica e da bateria, apresentadora de programas de auditório... Mas acima de tudo, perde uma pensadora do cancioneiro popular.

Domingo à noite, procurando algo para ver na TV, sintonizei a Cultura no exato momento em que a emissora iniciaria a projeção de um documentário sobre a vida de Inezita, que acabava de deixar a vida.

Do belíssimo filme, destaco o momento em que a artista, dizendo como tentava escapar da “Moda da Pinga” (“Marvata Pinga”), sua primeira e, quiçá, a única gravação dispensável, explicou como montava seus shows. No meio da explicação, surgiu, com absoluta pertinência, a palavra “pesquisa”.

Por conta dessa tendência, Inezita teve convites para dar aulas em uma universidade paulista, além de ter recebido o título de “honoris causa” pela Universidade de Lisboa.

Custeando suas viagens, ela percorreu o Brasil à caça de músicas de nosso folclore. Encontrou verdadeiros tesouros. Ao encontrá-los, usou sua potente voz para nos presentear com tais. Voz acompanhada apenas de instrumentos afins ao caipira. Inezita era conservadora assumida desse universo da simplicidade advinda de nosso sertão.

Dos tesouros musicais que cantou, destaco alguns: “Azulão”, de Jaime Ovalle e Manuel Bandeira é uma pérola. E o que dizer de “Viola enluarada”, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle?!

“A mão que toca um violão// Se for preciso faz a guerra,// Mata o mundo, fere a terra// A voz que canta uma canção// Se for preciso canta um hino, louva a morte”. Isto na voz forte e ligeiramente tenorizada de Inezita é simplesmente de emudecer, como de resto tudo o que cantou é de emudecer, de emocionar os ouvidos que ainda se respeitam em tempos de tantas perdas.

E por falar de perdas, talvez ninguém melhor do que Inezita tenha cantado a profunda saudade das perdas que o dito progresso, que a invasão tecnológica vem nos impondo.

“Lampião de gás// Quanta saudade você me traz”, de Zica Bérgami, é uma canção-síntese dessa dor contemporânea.

E por falar em saudade, já vivo com a dor da ausência de Inezita no cenário cultural de nosso país.

Irreparável.

ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Jornalismo pela USP e professor de Literatura na UFMT.



Autor

Roberto Boaventura

ROBERTO BOAVENTURA  é doutor em jornalismo e professor de Literatura da  UFMT

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