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Opinião
Segunda - 11 de Julho de 2016 às 17:17
Por: Lucas Rodrigues

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Imagine um menino que, por ser mais forte que os amiguinhos, resolve bater em um deles. A mãe, que sabe o quanto o incentivo à violência é prejudicial para a formação de caráter, resolve ensinar seu filho a não se aproveitar da fraqueza alheia e mostrar que esta atitude é errada.

Para tal, ela chama seu filho de moleque vagabundo, de covarde, o humilha em público e diz ao bairro inteiro, lançando mão de um megafone, que ele é burro, incapaz, acéfalo e criminoso.

A didática desta mãe não parece absurda e totalmente ineficaz no que tange a incentivar o filho a tratar com respeito todos os seus semelhantes? Pois é exatamente esta a didática do chamado ativismo “pós-moderno”, uma corrente ideológica radical que, lamentavelmente, têm crescido entre os militantes de diversas causas sociais.

Antes de qualquer coisa, é bom deixar claro que a análise a ser feita neste artigo não possui a intenção de desmerecer a luta de qualquer movimento, muito pelo contrário. É natural que o empoderamento dos movimentos sociais resulte na fragmentação de correntes de luta dentro dos próprios movimentos.

A discussão sobre a forma como as lutas têm sido conduzidas já é um ótimo indicativo da crescente força política, social e de persuasão dos blocos que lutam pelos direitos das minorias. Sem a militância, é indiscutível que o Poder Público, as empresas e a própria sociedade não teriam evoluído no que tange ao respeito e inclusão das diversidades, sejam elas étnicas, culturais, sexuais ou comportamentais.

A radicalização e “emburrecimento” do discurso, todavia, tem gerado efeitos nocivos que, ao invés de agregar e conscientizar, tem segregado e incitado ao ódio, na linha do “nós contra eles”. E, pior, tem sido usado por grupos conservadores como instrumento para deslegitimar as causas em si, e não quem as propaga.

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é virar opressor”. A máxima de Paulo Freire, tão citada pela militância, virou frase decorativa entre os pós-modernos.

Possivelmente parte disso se deve ao “efeito mola”: a pessoa é alvo de opressão durante muito tempo (a mola é pressionada) e, quando descobre que tem voz e pode defender aquilo que acredita, exagera no tom (a mola é solta e sai do estado normal).

Há alguns anos, isso era mais comum entre ateus (grupo do qual me incluo). O neoateísmo chegava aos limites do insuportável, beirando a uma nova religião que consistia em forçar as pessoas a abandonarem suas crenças.

Deixava de ser uma não-crença pessoal e virava uma cruzada em que o objetivo era mostrar aos fiéis os erros e contradições de suas respectivas religiões, de maneira sistemática e irritante.

Em resumo: você era obrigado a acreditar em Deus durante muitos anos, descobria que não precisava mais disso e, logo após, tentava obrigar o resto do mundo a compartilhar dessa “verdade” descoberta.

O mesmo ocorre com outras minorias. Quando o negro vê que seu cabelo não é ruim, quando a mulher verifica que não precisa “se dar ao respeito”, quando o gay entende que não tem defeito algum e por aí vai. A revolta é compreensível, porém, como estratégia política, é inócua.

E porque o efeito mola é nocivo? Porque provoca embates, e não debates. Provoca rixas, e não compartilhamento de experiências. A crítica agressiva não faz NINGUÉM mudar de ideia.

Compartilho as palavras do escritor Dale Carnegie, baseadas em estudos do psicólogo americano Burrhus Frederic Skinner: “A critica é fútil porque coloca um homem na defensiva, e, usualmente, faz com que ele se esforce para justificar-se.

A crítica é perigosa porque fere o precioso orgulho do indivíduo, alcança o seu senso de importância e gera o ressentimento”.

Particularmente, não conheço ninguém e nunca ouvi falar de alguém que deixou de ser machista, homofóbico, racista, gordofóbico ou transfóbico porque alguém expôs, por meio de xingamentos e/ou grosseria, o quão errado ele estava.

Humilhar uma pessoa e submetê-la ao escárnio não a fará mudar de ideia e só irá fortalecer os pensamentos equivocados que ela possui para com a minoria. A exceção fica por conta dos discursos de ódio, que configuram crime e devem ser denunciados às autoridades competentes.

Parto do pressuposto de que toda luta tem o objetivo de agregar e conscientizar. Se o negro, o pobre, o gay, a mulher e a trans sofrem preconceito, a solução não é justamente mudar o pensamento dos maiores disseminadores deste preconceito, que é a sociedade conservadora? Claro, a militância não pode perder o viés de troca de experiências, união entre os seus e fortalecimento do próprio grupo.

Mas a minoria que se fecha em uma redoma comete o mesmo erro estratégico que o politico que, durante a eleição, se concentra em pedir voto só para quem já iria votar nele.

Se uma árvore (sociedade) produz maçãs podres (preconceito), tentar destruir apenas as maçãs podres (preconceituosos) não irá afetar em nada o processo e novas maçãs podres continuarão a ser produzidas em larga escala.

Os pós-modernos reproduzem a mesma falha crassa do Poder Público na guerra contra as drogas: querem acabar com o mal pelos frutos que esse mal produz e não pela raiz do problema, que é a falta de educação de qualidade, falta de cidadania, falta de oportunidades, injustiça social e uma cultura de preconceito que é transmitida geração após geração.

Agredir verbalmente e moralmente alguém que, por ignorância ou por ter sido submetido a uma educação preconceituosa, falou alguma besteira sobre determinada minoria, não trará qualquer resultado positivo.

Nas redes sociais, as agressões são frequentes e recompensadas pelos pós-modernos: “lacrou”, “arrasou”, “colocou fulano (a) no lugar”, “esse (a) voltou para o canil”. Sinto dizer, mas humilhar alguém que reproduz discursos preconceituosos só agrega para uma luta: a do próprio ego, que se inflará com curtidas e compartilhamentos.

Não existe outra solução: ou você conscientiza o preconceituoso e, com isso, barra o ciclo de preconceito, ou você faz uma lavagem cerebral em cada um dos disseminadores, o que é impossível. Isso, obviamente, não dependerá apenas da militância, mas dos diversos fatores listados anteriormente, incluindo a educação de qualidade, que permitirá às pessoas a oportunidade de estarem abertas e dispostas a aprender sobre respeito às diversidades.

Não afaste quem está do seu lado

Além de não contribuir para a mudança da mentalidade conservadora, as atitudes da militância pós-moderna conseguem a façanha de afastar até mesmo quem simpatiza com as causas.

O pós-moderno crê que todos os indivíduos possuem a obrigação de serem “descontruídos” por completo, independente da cultura, classe social e nível de escolaridade. Ai de quem usar um termo incorreto ao falar com o pós-moderno: será massacrado.

Uma vez vi um vídeo (ou comentário, não recordo ao certo) de um senhor de idade, com notável baixo nível de escolarização; Ele dizia que era errado julgar os homossexuais, pois cada um deveria levar a vida que quisesse. Por falta de conhecimento mais aprofundado, ele usou o termo “homossexualismo” ao invés de “homossexualidade”.

Não deu outra. Uma chuva de pós-modernos passou a comentar na publicação, fazendo duras críticas ao senhor pelo uso do termo, de maneira agressiva e até mesmo ofensiva, em alguns casos. Não ponderaram que, no geral, se tratava de uma mensagem bonita e simples que poderia levar muita gente a refletir sobre o respeito à orientação sexual alheia. A sanha de “lacrar” era alta demais para ver isso.

A militância do pós-moderno é uma militância egoísta. É a militância dele para ele mesmo. O militante pós-moderno quer estar certo e provar de toda forma que está certo. Pouco importa se isso irá somar para a causa que ele diz defender, desde que some para a causa dele próprio. Querer estar certo é um desejo meramente individual, não uma luta por minoria alguma, mesmo que tente simular tal finalidade.

O mesmo ocorre quando algum homem fala sobre feminismo. As pós-modernas o acusam de “roubar lugar de fala”, “roubar protagonismo”, “se meter na luta alheia”, “omi fazendo omice”.

Não é mais fácil explicar ao simpatizante que ele pode falar sobre isso e deve compartilhar com as outras pessoas, mas também deve sempre tomar o cuidado para não querer ser protagonista da luta? Para a militante pós-moderna não, porque ela “não vai explicar feminismo pra omi”. Realmente não consigo pensar em qual a eficácia em uma linha de femininismo que se fecha em uma bolha e espera que a sociedade inteira, em um passe de mágica, deixe de ser machista.

Pense em quem você era há cinco ou dez anos. Ainda compartilha das mesmas ideias e ideais? Não se esforçou para ser mais justo, mais humano? Não tentou se libertar de preconceitos, seja por fatores racionais ou episódios emocionais que afetaram sua vida? Se você se tornou melhor, porque acha que as outras pessoas não podem? Porque ao invés de acelerar esse processo de evolução dos demais, prefere linchá-los e afastá-los?

As falácias

O empobrecimento do discurso do pós-moderno também está em parte, nas falácias. Em qualquer debate saudável sobre algo relevante, existe uma regra simples: argumentos se rebatem com argumentos. Se eu não concordo com o que você diz, eu vou atacar o que você diz, não você.

Essa regra não existe no debate do pós-moderno. A única regra é a falácia ad hominem. O pós-moderno tenta atingir quem expôs a opinião para desqualificar a opinião, mas não se dá ao trabalho de analisar a opinião em si.

O que parece absurdo (e é) é que esta falácia ganha ares de discurso sólido quando vem acompanhada de outra falácia: a da legitimidade. Para o pós-moderno, eu sequer poderia escrever este artigo, pois, se não sou mulher, não posso analisar ou dar sugestões sobre a militância dela. Não importa se há lógica, se há razão, se há dados, se há coerência. Qualquer coisa que eu disser, na visão do pós-moderno, “é o homem querendo ensinar a mulher a lutar”, “é o branco querendo ensinar o negro a lutar”, “é o homossexual querendo ensinar a trans a lutar”, e ai por diante.

Por essa lógica, um pesquisador heterossexual que encontrar mais evidências sobre a influência genética na homossexualidade teria seus estudos descartados, porque “não tem vivência”. Esse “argumento” acaba revelando a terceira falácia no discurso: a do apelo à autoridade. Tal falácia pressupõe que, obrigatoriamente, um homossexual sabe mais sobre homossexualidade do que qualquer pessoa de outra orientação sexual, mesmo que o outro indivíduo for um pós-doutorado no assunto.

Vivência é importante. Ninguém além do negro sabe os preconceitos explícitos e implícitos que ele sofre diariamente. No entanto, é importante ressaltar que muitos integrantes das minorias também acabam reproduzindo os próprios discursos dos quais são vítimas. Temos exemplos claros de gays que menosprezam afeminados e de mulheres que culpam as vítimas pelo estupro.

Assisti recentemente um documentário (The Mask You Live In) que explica a origem cultural do machismo e como a educação que os meninos recebem da família e da escola, além da convivência com os amigos e com a sociedade, influencia de forma crucial em seus comportamentos e reflete nos alarmantes índices de violência contra a mulher.

Tenho certeza que se os pais e educadores assistissem a este longa-metragem, possivelmente pensariam em criar e educar seus filhos de maneira diversa, reduzindo tantos efeitos nocivos. A opinião dos homens psicólogos e estudiosos do filme deveria ser retirada porque são homens e não tem legitimidade para falar sobre violência contra a mulher, mesmo diante da importância de seus estudos? A resposta é óbvia.

Vivência é importante, mas não é tudo. Um historiador, um antropólogo e um sociólogo, independente da etnia a qual pertencem, muitas vezes podem explicar melhor o porquê da desigualdade social/racial em determinada região do que quem sofre tal desigualdade. Uma mãe que vê seus filhos sofrerem com a falta de oportunidades nem sempre sabe a razão de tudo isso, quais fatores levaram a este problema e que métodos poderiam reduzir estes índices. O estudo, a ciência, a análise e o academicismo são vistos pelos pós-modernos como inimigos da vivência, quando, na verdade, deveriam se complementar em prol de um bem comum.

Descartar a contribuição de pessoas que não pertencem às minorias sob a tese de “falta de legitimidade” e “fulano assim não pode falar sobre assunto asssado” é mera estupidez sem fundamento. Qualquer um pode falar sobre o assunto que quiser, a Constituição Federal garante. Se falar bobagem, que se refute com argumentos, não com falácias.

A utilização de discurso falacioso contribui para o reforço dos estigmas de que “feminista é radical”, “movimentos sociais se vitimizam”, dentre outros, e isso é péssimo para qualquer militância. É usar o poder de persuasão das minorias para munir quem mais as oprimem.

As militâncias, pelo bem das causas que defendem e pelo papel de relevante importância que tem desempenhado, devem se afastar do pensamento dos pós-modernistas, que continuam a priorizar a falácia em detrimento da razão. Até porque, conforme conceitua o filósofo americano-canadense Stephen R.C. Hicks, para estes a razão não passa de “um construto eurocêntrico, de homens brancos” e “incompetente, extremamente contingente, relativa e coletiva”.

LUCAS RODRIGUES é jornalista dos sites MidiaNews e MidiaJur e pós-graduando em Ciências Políticas.



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