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Opinião
Quinta - 14 de Maio de 2020 às 06:05
Por: André Luiz Barriento

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Ele é irresponsavelmente impressionante. Atos, palavra e omissões. Culpa? Se sente alguma, procura não demonstrar, pois poderia ser identificada como fraqueza.

Em quase 40 anos de vida, e um gosto quase que patológico por personagens históricos, confesso que eu nunca cheguei perto de conhecer alguém que gerasse tamanha complexidade, que conseguisse emergir nas pessoas um sentimento pendular que variasse entre a perplexidade e a afeição, entre a adoração e o ódio.

Jair Bolsonaro não é mais um homem. Isso está claro. Ele conseguiu escalar o escombros do desespero popular por mudanças políticas e fixou uma bandeira no topo dessa montanha de desalentos. Isso é obvio, parafraseando o personagem Trimagasi, de O Poço.

Quando decantamos os milhares de comentários diários, posicionamentos radicais e sórdidos nas redes sociais, percebemos também que o presidente está distante da natureza de um mito. Isso poderá ocorrer no futuro, lembrando que nem sempre os personagens mitológicos são do bem. Eles não são pessoas, verdades ou mentiras, mas apenas representações.

O nosso atual presidente da República, na minha opinião, representa pra muita gente algo bem mais profundo do que realmente tem condições de ser. Jair Bolsonaro é um símbolo.

No filme Batman Begins, de 2005, o milionário Bruce Wayne (interpretação aclamada de Christian Bale) decidiu viajar pelo mundo em busca de meios que lhe permitissem combater o crime. Wayne em sua jornada externa, acaba por encontrar algo que estava dentro de si o tempo todo, uma realidade escondida atrás de seus medos, alguns ligados a injustiças e outros a morcegos.

Em certo momento, quando volta pra casa e decide tornar-se o justiceiro mascarado, Wayne chega à conclusão de que não poderia fazer isso sendo apenas um homem. “As pessoas precisam de exemplos dramáticos para sair da apatia, mas eu não posso fazer isso como Bruce Wayne. Como homem, por ser de carne e osso, posso ser ignorado e até mesmo destruído. Mas, como símbolo eu posso ser incorruptível, posso ser eterno”, disse o personagem pouco antes de tornar-se o Cavaleiro das Trevas.

O símbolo nesse filme é forte e reflete a dicotômica natureza humana. Quando Wayne é questionado por Alfred, seu mordomo-protetor, sobre o motivo de escolher aquele animal para ilustrar o seu disfarce, ele reponde que morcegos o assustam e seus inimigos iriam partilhar daquele pavor.

Acredito que o filme deixa muito clara a mensagem quando usamos uma chave: a separação entre o homem e o símbolo. Embora os estudiosos da Arte Real consigam entender melhor os sistemas de símbolos e alegorias, está óbvio de que o Batman transcende a pessoa e representa algo maior. Se fosse visto como simples homem, se resumiria a um criminoso que combatia outros bandidos ao arrepio da lei. Entretanto, o símbolo Batman é o de combate à injustiça, ao sistema corrompido da lei e da ordem. Percebem a simetria nas linhas?

No entanto, horror dos horrores, Bolsonaro não é o Batman, está longe disso. Conscientemente ou não, ele apenas usurpa esse símbolo. Deixo claro que minha reflexão está distante de uma intenção escuso-eleitoreira de vilipendiar a imagem de um político ou governante, mesmo que discorde quase que totalmente dele. Afinal, Jair Bolsonaro já tem seu maior inimigo em si mesmo, combate o próprio governo com a maestria que a sua oposição não teria competência para alcançar.

Levanto essa discussão como um esforço quase que “junguiano” para entender como pessoas aparentemente boas podem posicionar-se de maneira tão irresponsável e vil, tanto nos ataques, quanto nas defesas à figura do presidente.

Embora, para milhões de brasileiros Jair Bolsonaro seja o símbolo de uma nova política, do combate à corrupção, do respeito aos princípios da moralidade, de defesa da família e dos bons costumes, o homem que carrega esse símbolo está, objetivamente, distante disso. Toda mente consciente pode não admitir isso publicamente, mas é impossível não reconhecer.

Diante das incontáveis declarações equivocadas e desrespeitosas do homem Jair, os apoiadores se veem obrigados a posicionarem-se ao lado do símbolo, como uma esquizofrenia social em que acreditam ver o que não existe. Infelizmente, agindo assim evitam a orfandade ideológica, mas acabam por legitimar os atos equivocados do homem. Por essa razão, vemos pessoas bem intencionadas, bondosas e respeitosas chancelando a visão torpe do presidente sobre assuntos importantes, pouco manejo das emoções para lidar com opositores (reais e imaginários) e uma dificuldade congênita para liderar sem criar novos conflitos.

Por outro lado, gente mesquinha, maldosa e oportunista aproveita o símbolo para regurgitar todo tipo de mal ruminado dendo de si há anos, pelas vias abertas pela péssima forma de o presidente se comunicar pela imprensa. São gárgulas digitais, carniceiros travestidos de pseudomoralidade sobre os avatares da covardia. Como os monstros medievais representados nas antigas catedrais, esses demônios nunca dormem e formam milícias digitais que retuítam hastags de ódio de maneira irracional, como animais reagindo a comandos instintivos.

O que assusta a esse jornalista, tipo de profissional caçado por ambos os lados há décadas, é que um símbolo tão grande e poderoso esteja sendo usado de maneira maquiavélica por políticos criminosos, elites econômicas espúrias, grupos pouco republicanos e antidemocráticos. Querem conquistar mentes e corações das manadas ideológicas extremistas, de esquerda e de direita, apenas como recursos de obter dinheiro e poder.

Se eu puder ajudar com algo, digo o seguinte: separem o homem do símbolo. Criticar ou aplaudir o presidente não significa chancelar asneiras ou repudiar mudanças. Bandido não tem ideologia, tem interesse. Se quiser encontrar os 'vilões', não pegue a trilha das palavras ou das cores nas camisetas, siga os interesses, pois neles se encondem as intenções.

O Brasil poderá ser um grande país. Entretanto, a mudança não virá de Brasília, ela começará dentro de você. Bruce Wayne enfrentou os próprios medos antes de vislumbrar um símbolo para tentar salvar a cidade. Nós deveríamos fazer o mesmo, olhar a Gothan que está dentro, sem ter medo de reconhecer que erramos, no voto ou na crítica. O medo da vilania da corrupção pode ser o remédio transformado em veneno, algo que refletimos no outro para escondermos nossa própria sombra.

Paremos de buscar na política, entorpecidos pelo nosso conformismo, o 'Messias' ou o 'Pais dos Pobres'. Fiquemos atentos aos símbolos que erigimos, pois eles ganham ou perdem força a partir da nossa vontade. Endeusar governantes não criará um país melhor.

Na política, inexiste o maniqueísmo pós-moderno simplificado do puro bem contra o mal. A parada é bem mais sinistra, mano. Tem gente correta e corrupta, competente e incompetente, inteligente e obtusa. Nem sempre essas características estão separadas da mesma pessoa. Para quem acredita que a linguagem está desconectada da cultura, volte aos quadrinhos e fique por lá. Aqui é conversa para adultos.

André Luiz Barriento é jornalista, mestre em estudos de cultura contemporânea e graduando em direito.



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