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Opinião
Terça - 18 de Maio de 2021 às 06:31
Por: Hélio Nishiyama

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Reverberou no estado de Mato Grosso, nos últimos dias, matérias jornalísticas lastreadas no terceiro episódio do podcast “À MÃO ARMADA”, da jornalista Sônia Bridi, no qual são abordados os reflexos das ações do governo federal, especialmente as que beneficiaram os colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (conhecidos como CAC’s), na famigerada morte da uma adolescente em um condomínio de luxo em Cuiabá.

Trecho específico do podcast recebeu a atenção da imprensa estadual: minha fala! Foi dito, por mim, que a República Federativa do Brasil vulnerabilizou a juventude brasileira ao permitir, via decreto presidencial, que adolescentes tivessem acesso à arma de fogo, ainda que em ambiente esportivo. Estava eu, na ocasião, referindo-me ao Decreto n. 9.846/2019, da Presidência da República, que legalizara a prática de tiro desportivo por pessoas com idade entre quatorze e dezoito anos, apenas com autorização dos pais, isto é, sem fiscalização do Poder Judiciário.

A partir das minhas palavras outrora ditas à jornalista Sônia Bridi, diversas matérias foram produzidas. A diferença residiu, apenas e tão somente, na determinação do atual Presidente da República. Na minha fala utilizei apenas a expressão República Federativa do Brasil, enquanto as matérias locais, em sua maioria, citaram nominalmente Jair Messias Bolsonaro.

Bastou a menção ao emblemático Chefe da República que o tema jurídico ganhou rótulo e conteúdo político! E o pior: a conotação política foi radical, a ponto de extirpar qualquer resquício de pensamento técnico sobre o assunto. Foi dito, por mim, que o Brasil poderia ser responsabilizado pela omissão na tutela da criança. Em resposta, sobrevieram milhares de comentários agressivos, sem base empírica, que revelam, nada mais, nada menos, uma posição partidária extrema, até mesmo violenta. Não faltaram ofensas gratuitas, a exemplo de “merda”, “alienado”, “burro” e etc.

Eis aqui o perigo: pensar (ou não pensar) tema jurídico com silogismo político radical! É reagir de inopino, sem nada refletir, apenas com o desiderato de defender miopemente uma posição política, sequer vilipendiada na situação concreta. É o não pensar, apenas reagir, como se estivesse sendo agredido. É a ilusão de que todas as opiniões teriam sempre um viés político.

A República Federativa do Brasil possui histórico de omissões na tutela dos direitos humanos que está muito além da atual legislatura presidencial.

Exemplo mais notório é da Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de diversos crimes praticados pelo seu cônjuge no âmbito doméstico e familiar, no ano de 1983. A triste história recebeu a devida atenção interna do Brasil, por intermédio da Lei n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, criada com a finalidade de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Mas o que nem todos sabem é que a Lei Maria da Penha não foi fruto apenas da consciência do legislador. No ano de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, após reconhecer a omissão brasileira na proteção da mulher no âmbito do doméstico e familiar, recomendou à República Federativa do Brasil a intensificação do “processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra a mulher”, além de outras recomendações apontadas no Relatório n. 54/01, de 04 de abril de 2001, lançado no caso 12.051. É de se frisar que o não cumprimento das recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos pode ensejar a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Tanto é que, no âmbito nacional, foi promulgada a mencionada lei de combate à violência doméstica e a vítima Maria da Penha foi indenizada, visando atender a recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Não sou especialista em direito internacional, mas o precedente me faz pensar que a responsabilidade da República Federativa do Brasil não decorre apenas de conduta pessoal e dolosa do seu líder maior.

Voltando especificamente a minha fala ao podcast da Sônia Bridi, dever-se-ia refletir, sem emoções partidárias, se o Decreto Presidencial n. 9.846/2019, que permite o acesso de adolescente à arma de fogo, coaduna com o valor da proteção integral à criança (compreendida lato sensu), consagrado na Convenção Americana de Direitos Humanos e na Convenção sobre os Direitos da Criança, ambas ratificadas pela República Federativa de Brasil.

O Ministério Público Estadual, ao menos, analisou a questão com olhar técnico. Na representação por inconstitucionalidade datada de 16 de julho de 2020, dirigida ao Procurador-Geral da República, o Procurador de Justiça de Mato Grosso afirma que o decreto presidencial “provoca constrangimento ao Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, construído no âmbito do direito estrangeiro e incorporado pelo nosso ordenamento jurídico no art. 227, da CF”.

Foi dito, pelo Ministério Público Estadual, que “a exposição prematura de crianças e armas de fogo colide frontalmente com a situação peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento”. E mais, que “nossa capital registrou nos últimos dias a ocorrência trágica, sob intensa investigação, relacionada a um disparo de arma de fogo por uma adolescente, em desfavor de outra”, e que “a menor, responsável pelo disparo, ostenta em redes sociais sua imagem praticando tiros ao alvo”. Concluiu, por fim, que “a falta de critério, e facilitação do acesso de menores a armas propiciam situações como esta, evitáveis com a simples concretização de princípios dispostos em nossa Constituição Federal”.

No que se refere à minha fala à jornalista Sônia Bridi, retratava pensamento jurídico embrionário, nada mais. Lamentavelmente, o radicalismo político rotulou o tema, para tratar a defesa de juventude brasileira como uma afronta à pessoa do atual Presidente da República. Ledo engano! É possível ter um pensamento jurídico absolutamente alheio a qualquer posição política.

Enfim, o radicalismo político nada contribui com o pensamento crítico, técnico e justo, necessário ao aprimoramento dos institutos. Pelo contrário, conduz a prejulgamentos desprovidos de base empírica e, quiçá, violentos.

Hélio Nishiyama é advogado.



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