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Opinião
Domingo - 27 de Junho de 2021 às 10:24
Por: Renato de Paiva Pereira

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Esta é a terceira vez que falo do raizeiro Dito Gordo aqui neste espaço. Recorro sempre a ele porque representa a fé do povo mais humilde em remédios caseiros. O Dito não é um charlatão, como alguns urbanos podem pensar, ele realmente acredita nas beberagens e fomentações que faz e vende. Algumas até funcionam para males menos graves, outras, entretanto, não passam de placebos sem nenhum efeito positivo.

Conheço esses raizeiros que acodem o povo nas suas necessidades. Meu avô foi um “curador” muito conhecido na sua região no século passado. Eu mesmo convivi, na sua fazenda, com o enorme “quarto de remédios”, onde ele, com equipamentos de laboratório, manipulava suas plantas medicinais.

O Vô Zeca era mais sofisticado que o Dito, porque baseava-se no “Chernoviz - Manual e Guia Médico” - literatura prática disponível na época. Este livro descrevia as doenças mais recorrentes, indicava tratamentos, a forma de obter os ingredientes no meio rural e como prepará-los.

Meu avô carecia de informações; o Dito, de capacidade para entendê-las. O Bolsonaro tem pesquisas e, teoricamente, capacidade para assimilá-las, por isso não deve ser inocentado

Dito isto, conto três fatos, com os quais me socorro para ilustrar o artigo e ajudar na conclusão.

Primeiro – o meu avô, há quase cem anos afirmava que um composto que ele manipulava curava asma, e outro, reumatismo – doenças que ainda hoje desafiam a medicina.

Segundo - o nosso Dito, baseado em diversos casos de sucesso, garante que desenvolveu uma garrafada capaz de curar a Covid-19.

Terceiro – O Presidente Bolsonaro divulga aos quatro ventos que teve Covid, tomou hidroxicloroquina e que ela foi a responsável por sua cura.

O meu avô, com quem convivi nos 15 primeiros anos de vida, era um velho de uma confiabilidade à toda prova. Então, o que fazia ele divulgar uma cura que não ocorria? Hoje pensando sobre isso, deduzo que, como a asma e o reumatismo são doenças intermitentes, quando as pessoas tomavam seu remédio e passavam longo tempo sem crises, ele concluía que tinham sarado.

Por razões um pouco diferentes, o Dito está convencido da eficácia de seu remédio: como a maioria das pessoas atacadas de Covid costuma progredir para a cura naturalmente, com ou sem medicação, ele vendo as pessoas que o procuram se recuperarem, atribui à sua garrafada a melhora do paciente.

Meu avô, no seu tempo, e o Dito atualmente, são sinceros. E o Presidente Bolsonaro? Será que realmente acredita que sua cura deveu-se a hidroxicloroquina, embora se saiba que ela não tem nenhum efeito benéfico no caso da covid?

Agora as diferenças entre os três: meu avô nasceu no fim do século XIX e viveu a maior parte da vida no século XX e, no seu ambiente rural nem lhe passava pela cabeça como se fazia uma pesquisa sobre eficácia dos medicamentos. Justifica-se, pois, o seu engano sobre a cura da asma e do reumatismo.

O Dito, a despeito das informações hoje disponíveis, não tem nenhuma base teórica para se beneficiar delas. Assim, também está desculpado.

Meu avô carecia de informações; o Dito, de capacidade para entendê-las. O Bolsonaro tem pesquisas e, teoricamente, capacidade para assimilá-las, por isso não deve ser inocentado.

Um dia ele será cobrado pelas maléficas falácias que conscientemente divulga e por tirar, em público, as máscaras das criancinhas, colocadas com tanto zelo pelas mães.

RENATO DE PAIVA PEREIRA é empresário e escritor



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