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Opinião
Domingo - 05 de Junho de 2022 às 10:31
Por: Paulo Wagner

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Quando nascemos nosso primeiro e mais intenso contato com o mundo exterior se dá pela inspiração. A partir desse momento podemos chorar e demonstrar nosso estranhamento de termos desembarcado na esfera terrestre.

É o ir e vir da respiração que nos presentifica no mundo e, também, nos acalma da sensação intuitiva de estarmos aprisionados temporariamente à casa-corpo.

É como se o ar entrando e saindo do nosso corpo dissesse para nós com uma suave voz: quando inspiro acalmo meu corpo, quando expiro acalmo a mente. Deste modo, desde que nascemos, o ato de respirar profundamente nos acalma em qualquer situação.

Por incrível que pareça, o ato tão primordial que é respirar vai sendo desaprendido ao longo da vida devido a fatores diversos, como o peso de nossas emoções, conflitos que experimentamos em nossas relações pessoais e, principalmente, devido ao modo de vida atual experimentado pela população.

Sem perceber diminuímos o volume e intensidade de nossa respiração, não respirar corretamente afeta nossa conexão com nós mesmos e com o presente.

No mundo veloz que nos impede de respirar corretamente, uma infinidade de pensamentos e informações fervilham em nossas cabeças.

Nossos pensamentos são como macaquinhos inquietos pulando de galho em galho. A babilônia high-tech das redes sociais acelera ainda mais o modo de vida contemporâneo, nos levando para longe do presente.

Há quanto tempo não paramos para sentir nossos passos pisando a terra, no ritmo compassado do ir e vir de nossa respiração? Feito máquinas ligamos o automático e repetimos dia a dia as mesmas emoções, os mesmos condicionamentos herdados, sem perceber o tempo escorrendo como areia por entre os dedos das mãos.

A sabedoria oriental nos ensina que precisamos desacelerar nossos pensamentos para perceber a vida verdadeira que existe, fluindo como fonte infinita por traz do mundo das aparências e ilusões criado pela nossa mente. Precisamos rasgar os véus de Maya (ilusão) para perceber com toda intensidade e clareza o aqui e agora.

Exercitar a atenção plena em tudo que fazemos, sentindo nos mínimos detalhes nossas ações é uma das formas mais altas de meditação, a chamada Mindfulness.

Só que estar por inteiro em tudo que fazemos, sem sermos levados pelo turbilhão dos pensamentos, sem as amarras do passado e ansiedades do futuro, requer concentração, disciplina e foco, qualidades raras no modo de vida acelerado imposto à maioria da população.

Em minhas andanças pelos caminhos da yoga e meditação me ensinaram que ter uma respiração consciente é o primeiro passo para acalmar os pensamentos e acessar a essência verdadeira e iluminada que habita cada um de nós, nossa natureza búdica como dizem os praticantes do Zen.

Respirar de maneira consciente é o caminho para sentirmos a calma e a intensidade de cada momento, sentir os próprios gestos, aprender a comer compassadamente e perceber, como um expectador de teatro, os sentimentos que dominam e encharcam o coração. E nesse caminho de expansão da consciência e autopercepção redescobrir que nos momentos difíceis de medo, angústia e tensão, a respiração consciente é capaz de mudar para melhor nosso estado de espírito.

Um exercício simples que aprendi ensina que devemos nos sentar confortavelmente, mantendo a coluna ereta de forma natural, os olhos semicerrados, fixos em um ponto à frente, e prestar atenção plena em nossa respiração.

Como se estivéssemos em um ponto de ônibus e os ônibus passando fossem nossos pensamentos. E quando embarcar em um deles, perceber, dar o sinal, desembarcar e voltar o foco e atenção para nossa respiração. Parece um exercício fácil, mas requer uma capacidade de concentração que só pode ser alcançada pela disciplina e prática constantes, virtudes cada vez mais raras, mas possíveis de serem alcançadas nestes tempos de correria, ansiedade e dispersão.

Mas é bom saber que em qualquer lugar ou atividade que fizermos, podemos estar conscientes de nossa respiração. Podemos também, sem medo, descobrir que um dia uma última expiração irá nos desconectar deste mundo. Por isso, é importante ter consciência plena do ar entrando e saindo do nosso corpo, nos presentificando, nos trazendo calma, nos reconectando com a vida e o com o nosso coração.

Paulo Wagner é escritor, jornalista e mestre em Estudos de Linguagem e Literatura.



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