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Opinião
Segunda - 15 de Abril de 2024 às 00:49
Por: Luiz Henrique Lima

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“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo.”

Quando, ainda adolescente, li pela primeira vez esse verso de Drummond, fiquei profundamente impactado.

“Sentimento do mundo” é o poema que abre o livro do mesmo nome, publicado em 1940, quando a Europa parecia irremediavelmente subjugada às forças nazifascistas e o Brasil vivia sob a ditadura do Estado Novo. A obra é considerada uma das mais importantes de um dos maiores poetas brasileiros.

O verso foi citado por Miguel Arraes em seu discurso de posse pela primeira vez como governador de Pernambuco em 1963 e, posteriormente, em 1979, ao pisar no Brasil retornando do longo exílio imposto pela ditadura de 1964.



As duas mãos representam a um tempo a fragilidade e o potencial do indivíduo comum, do cidadão, do ser humano

Para o líder pernambucano, esse verso era o tênue fio que ligava dois momentos marcantes de uma trajetória acidentada. Por sua vez, os críticos e estudiosos de nossa literatura desenvolveram múltiplas análises sobre a composição do poema e o conteúdo do verso.

Quanto a mim, ainda guardo a impressão do menino que um dia descobriu um livro nas prateleiras da casa do avô e, ao folheá-lo, foi imediatamente atraído pela arte do velho poeta mineiro.

As duas mãos representam a um tempo a fragilidade e o potencial do indivíduo comum, do cidadão, do ser humano. A fragilidade, pois são “apenas” duas mãos e elas não portam ferramentas, armas ou dinheiro. E o potencial, pois essas mãos têm a capacidade de trabalhar, de construir, de conduzir, de curar, de abraçar, de consolar e de criar.

O sentimento do mundo é o nosso olhar para a humanidade e a natureza. É o pertencimento e a solidariedade. É o impulso para auxiliar a quem sofre, proteger os mais frágeis e combater a violência e a injustiça. É reconhecer o próximo como seu irmão, seu amigo e seu companheiro de jornada. É sentir com ele a sua dor e, sentindo a dor em nós mesmos, agir com as duas mãos de que dispomos.

O sentimento do mundo pulsa quando leio as notícias sobre as mudanças climáticas globais e a destruição de ecossistemas e da biodiversidade que fazem nosso planeta sangrar e ameaçam cada vez mais centenas de milhões de humanos. É o sentimento que nos traz a urgência de ações, individuais e coletivas, para a mudança de padrões de consumo e a transição energética.

O sentimento do mundo foi o que levou outras tantas milhões de pessoas em toda parte a lutar contra o apartheid sul-africano, um dos mais odiosos regimes de discriminação e opressão já concebidos.

O sentimento do mundo é o que nos comove e nos revolta ao ver os braços estendidos das crianças feridas em Gaza pedindo água e comida, pois as suas casas, escolas e hospitais foram bombardeadas e elas não dispõem de famílias ou abrigos.

Temos apenas duas mãos e elas talvez não sejam suficientes para interromper a espiral de terrorismo, guerra, violência e fome em tantos lugares. Mas o sentimento do mundo não permite que que desviemos nosso olhar, indiferentes, e que essas mãos estejam cruzadas, inertes.

Luiz Henrique Lima é conselheiro certificado, professor e escritor



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