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Opinião
Terça - 14 de Maio de 2024 às 00:09
Por: Sylvio Feitosa de Freitas

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Com um enfoque especial, é relevante destacar que a Constituição Federal protege a vida como direito inviolável do cidadão (art. 5º, caput). Logo, o Estado deve protegê-la com todo o seu aparato, além de ofertar condições para que a mesma seja mantida, respeitada e valorizada, principalmente no ambiente de trabalho.

Por essa ótica constitucional, e pelas palavras de Walter Claudius Rothenburg, compreende-se que a mais elementar proteção jurídica refere-se ao ser humano em sua existência e incolumidade, o que configura os direitos fundamentais à vida e à integridade.

Esses direitos fundamentais estão ligados para todo e qualquer cidadão, não havendo espaço para escantear profissionais que diariamente utilizam as suas próprias vidas como escudo na proteção da sociedade civil livre, cuidando rigorosamente para a mantença da ordem daqueles que se encontram encarcerados. Nessa toada, analisamos os Policiais Penais e o perigo enfrentado no exercício de suas atribuições.

Pois bem. Os antigos cargos de agentes penitenciários foram transformados em cargos de Policiais Penais, nos termos da Lei Complementar Estadual n. 743/2022, os quais cumprem com as atribuições estabelecidas no art. 8º, inc. III da Lei Complementar Estadual n. 389/2010. E como sabido, os citados servidores exercem suas atividades, majoritariamente, dentro do sistema penitenciário, diretamente com os segregados.


Para aclaramento didático, segregados são aqueles que foram apartados da sociedade por consequência da prática de atos ilícitos em violação ao ordenamento jurídico penal, estando privados de sua liberdade e em cumprimento da pena imposta pelo que a lei determina.

Não entrando no mérito de discussões acerca daqueles tidos como vítimas da sociedade e afins, é sabido por qualquer homem médio que os Policiais Penais, no exercício de suas atribuições, se encontram de frente à torturadores, traficantes de drogas, assassinos em série (como no recente caso dos assassinos dos motoristas de aplicativo), terroristas, estupradores, dentre outros criminosos dos mais detestáveis tipos, todos com alto grau de periculosidade. Nesse diapasão, temos ainda aqueles perigosos midiáticos como o exemplo de um famigerado líder de uma das maiores e piores facções criminosas do território brasileiro, recém-retirado de isolamento.

Dentro desse contexto, é fácil constatar que o Policial Penal trabalha com o perigo, vivenciando e se expondo a riscos, seja nos atos de guarda, custódia, realização de revistas, vigilâncias, contenções, realização de escoltas armadas, assistência em situações de emergência (motins, fugas e rebeliões) e recaptura de foragidos, dentre outros.

Em necessária explicação, perigo é palavra derivada do latim periculum, e significa o estado de uma pessoa que corre grandes riscos, acontecimento ou evento em que pode ocorrer algo prejudicial e/ou a circunstância em que se pode haver lesão física ou moral. Logo, todos os significados nos direcionam para o labor de todos aqueles que atuam diretamente no cárcere.

O ambiente de trabalho desses profissionais os submete, além do perigo, a pressão, tensão e condições insalubres, sendo todas condições relevantes para o desenvolvimento do estresse devido a grande demanda psicológica, além de outras possíveis comorbidades que diminuem drasticamente a qualidade de vida.

É-nos válido rememorar que o Sistema Prisional de Mato Grosso já foi palco de diversas situações de grande perigo e também de barbáries amplamente divulgadas na mídia nacional. E considerando a recente fuga da Penitenciária de Mossoró-RN (de segurança máxima), pela característica dos fugitivos (por sorte, já recapturados) não há garantias, em qualquer lugar, de que tais situações não voltarão a ocorrer dentro dos estabelecimentos carcerários brasileiros.

Nesse ínterim, relembramos, ainda, aquela que foi considerada como uma das maiores rebeliões já ocorridas no território mato-grossense, onde, em meados de 1.996, encarcerados do antigo Presídio Pascoal Ramos (atual Penitenciária Central) se amotinaram, fizeram servidores como reféns, praticaram atos de violência, fugiram e deixaram um rastro de sangue e desespero. Nesse fatídico ocorrido, o respeitável diretor da época, Sr. Sylvio Feitosa de Freitas Neto (in memorian), foi feito de refém e sofreu danos que resultaram com a perca de uma visão, em consequência da pressão e dos atos violentos praticados pelos rebelados. Além dessa, diversas outras rebeliões ocorreram em anos alternados (2000, 2017, 2019, 2020, dentre outros), todas com fugas, violência e até mortes – dentre as quais trazemos de volta à memória o episódio no Presídio da Mata Grande, em Rondonópolis-MT, que findou com 13 (treze) mortos.

Pela lógica já implantada e compreendida, é possível extrair a presença do direito, dos Policiais Penais, ao recebimento do adicional de periculosidade, sendo esse uma verba de natureza remuneratória.

O adicional de periculosidade é um direito destinado aos trabalhadores que atuam em áreas que apresentam risco à sua saúde, sua integridade física e à sua vida. Logo, esse benefício é uma forma de compensar o trabalhador pelos riscos a que está exposto durante a execução das suas atividades.

Atualmente, com base no art. 20, inc. II da Lei Complementar Estadual n. 389/2010, os Policiais Penais recebem o adicional de insalubridade, o qual detém valor muito abaixo do percentual referente ao adicional de periculosidade, sendo, portanto, menos economicamente vantajoso para quem se expõem aos riscos.

E como sabido, pela jurisprudência brasileira, os citados adicionais não são cumuláveis, porém pode o trabalhador optar por aquele que lhe é mais vantajoso, nos casos em que ambos são cabíveis.

O que se percebe é que a intenção do Poder Executivo, à época, ao propor o Projeto de Lei Complementar, atualmente em vigor, visou apenas a economicidade aos cofres públicos em detrimento do direito do servidor. E agora, a partir da conclusão de Laudo Técnico (LTIP), o Estado cessou com os pagamentos do adicional de insalubridade, mesmo estando previsto em lei.

Em tempo, a partir de janeiro de 2021 e até o mês de março de 2024, o Estado realizava o pagamento do benefício do adicional de insalubridade no importe de R$ 370,00 (trezentos e setenta reais), de acordo com o art. 2º, § 1º, inc. III da Lei Complementar Estadual n. 502/2013.

Em anotação de relevância, o mesmo Laudo Técnico de Insalubridade e Periculosidade, contratado pelo Estado de Mato Grosso e confeccionado pela empresa Evolue Segurança (Grupo Evolue), de fevereiro de 2023, concluiu que o cargo de Policial Penal faz jus à percepção do adicional de periculosidade de 30% (trinta por centos inteiros) incidente sobre o salário. No mesmo documento, no campo de responsabilidade técnica, consta a informação de que é da Secretaria de Estado de Segurança Pública a responsabilidade da implementação e desenvolvimento do LTIP, devendo disponibilizar recursos necessários para tal.

Nessa toada, nos deparamos com o princípio venire contra factum proprium, o qual implica na vedação do comportamento contraditório ou incoerente por parte da administração pública. Logo, o LTIP contratado pelo Estado ao afirmar a inaplicabilidade do adicional de insalubridade ensejou o corte quase que imediato do benefício aos servidores, consoante a Comunicação Interna n. 02713/2024/COFOL/SESP de 06/02/2024, salvo para os filiados ao Sindicato da Categoria que conquistaram medida liminar em sede de Mandado de Segurança Coletivo e Preventivo sob n. 1008462-43.2023.8.11.0000.

Nisso, como já destacado no presente estudo, o mesmo LTIP concluiu pelo direito dos policiais penais ao recebimento do adicional de periculosidade em 30% sobre o salário, porém o Estado recusa-se a realizar a implementação. Com isso, estamos sim diante de uma conduta contraditória e incoerente do Estado em detrimento dos servidores da referida área. Para o corte o laudo foi válido, para a concessão não, ou seja, dois pesos e duas medidas.

Pelo raciocínio acima exposto, leva-nos à interpretação do conhecido ditado popular: “pau que bate em Chico, não bate em Francisco”. E em analogia à passagem bíblica, o direito, como fonte do bom e do justo, deve detestar balanças falsas, sendo necessário o peso exato.

E não paramos por aí! Para a concessão do direito ao adicional de periculosidade, podemos analisar a Norma Regulamentadora nº. 16 do Ministério do Trabalho e Emprego e o seu anexo III, inserido pela Portaria n. 1.885/2013-MTE. O referido anexo trata das atividades e operações perigosas com exposição a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial, e igualmente o art. 193, inc. II da Consolidação das Leis do Trabalho.

O adicional ainda encontra guarida no art. 7º, inc. XXIII da Constituição Federal e nos arts. 82, inc. II, 87 e 89 da Lei Complementar Estadual n. 04/1990.

Com adição, em julgamento ocorrido no ano exercício 2023, a Turma Recursal Cível do Estado de Mato Grosso, na análise do Recurso n. 1027562-46.2021.8.11.0002, firmou o entendimento de que é presumido ao servidor público estadual ocupante do cargo de agente do sistema prisional o direito ao adicional de periculosidade, ante a notória exposição permanente de risco de vida, por exercer atividade profissional de segurança pessoal e patrimonial, citando a fundamentação adequada ao caso. A decisão transitou em julgado, e deve(ria) ser seguida para a isonomia entre os servidores.

O assustador é que o Poder Judiciário, especialmente da Comarca da Capital, adentrou em uma grande constante de julgamentos de improcedência nos pleitos que lhe foram apresentados, e isso sob o fundamento de que não há qualquer disposição e regulamentação acerca do pagamento do adicional aos profissionais do sistema penitenciário. Em outra linha, outras comarcas alinham o entendimento para com a justeza e estão concedendo liminares para a implementação imediata do benefício, o que trás mais equidade e, também, mais equilíbrio.

Embora dentro da Lei Complementar Estadual específica da carreira não tenha expressamente a palavra “periculosidade”, dentro do arcabouço legislativo brasileiro, com destaque para a norma Constitucional, sem prejuízo de uma análise ética, moralista, humana, com senso de justiça e lastreada nas regras ordinárias de experiência, mostra-se possível, justo e razoável a concessão do benefício à quem labora diante do perigo, como no caso dos profissionais ora estudado.

Voltando ao ponto crucial acerca das atribuições e do perigo vivenciado corriqueiramente, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, em sessão de debates na Câmara Federal, apontou os presídios brasileiros como ambientes bélicos e hostis, tanto para os policiais penais como para os presos. Nessa mesma discussão, foram apresentadas denúncias da categoria sobre a precarização dos trabalhos.

À frente, o Poder Legislativo do Estado de Mato Grosso, em tese, possui conhecimento acerca da necessidade do adicional de periculosidade aos trabalhadores do sistema penitenciário, citando em exemplo as Indicações de n. 3.705/2023 (Dep. Max Russi), n. 1.243/2024 (Dep. Janaína Riva) e o Projeto de Lei n. 176/2015 (Dep. Janaína Riva).

Em especiais exemplos, verifica-se que a Indicação n. 3.705/2023 indica a necessidade de o Governo Estadual encaminhar ao Legislativo uma Mensagem de Projeto de Lei Complementar para a concessão do adicional de periculosidade aos docentes cuja atuação seja junto ao sistema prisional, com a justificativa de que o local onde o trabalho é desenvolvido os submete a condições que podem prejudicar a integridade física. E, o Projeto de Lei n. 176/2015 autoriza o Executivo a efetuar o pagamento do adicional de periculosidade aos profissionais da enfermagem (auxiliares, técnicos e enfermeiros) que prestem serviço no sistema prisional de Mato Grosso, com a justificativa de que o benefício visa amenizar os transtornos enfrentados, visto que estão expostos a todo o tipo de risco e perigo.

Vê-se, então, que a AL-MT enxerga a necessidade de pagamento do adicional de periculosidade para quem exerce funções dentro do estabelecimento prisional, com justificativas plausíveis para seus projetos e indicações. Porém, essa mesma visão não está ainda aplicada e voltada para os Policiais Penais.

Em pesquisa no sítio eletrônico da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso não foram encontrados projetos, mensagens e/ou indicações em tramitação que vise a discussão do benefício mais vantajoso ao Policial Penal. Nesse sentido, o Estado precisa adentrar e se aprofundar para que consiga conhecer as agruras de seus servidores, bem como as necessidades e os direitos dos mesmos, sendo precisa a correção da lacuna legislativa quanto ao adicional de periculosidade para os Policiais Penais do sistema prisional do Estado de Mato Grosso.

Outrossim, no arcabouço de projetos da Câmara Federal, localizam-se em andamento os Projetos de Leis Federais n. 1.305/2019 (Dep. José Medeiros – MT) e n. 2.217/2023 (Dep. Pompeo de Mattos – RS), onde ambos preveem o pagamento do benefício ao servidor que exerce suas atividades em presídios, em patamar de 30%.

E então, pelo ora avaliado, obtém-se o resultado de que normas específicas precisam ser editadas, e enquanto as mesmas não são, o Judiciário pode agir com ênfase ao que se define como justiça pelo bem comum e lógico, para a concessão de um direito incontestável dos profissionais do cárcere estadual. A omissão legislativa não pode ser subterfúgio para se evitar questões de senso justo. Em mais, há a nítida necessidade de um reforma parcial da Lei Complementar Estadual n. 389/2010, especificamente no seu art. 20, inc. II, onde há de se substituir o previsto adicional de insalubridade, que já está cessado pelo Estado, ao adicional de periculosidade em 30% sobre o salário do servidor.

Espera-se que o presente artigo, derivado de um estudo sistemático, provoque o senso de regularidade, adequação e legalidade a quem possui legitimidade para fazer valer um direito que, embora ainda não esteja escrito na lei da categoria, é inquestionavelmente válido e aplicável, assim como sirva de norte para a abertura de uma interpretação mais humana, benigna e útil.

Concluímos, então, que, sobretudo, se precisa respeitar a dignidade da pessoa humana, princípio constitucional estabelecido pelo art. 1º, inc. III da Constituição Cidadã de 1.988. A percepção do adicional de periculosidade em 30% do salário, em substituição ao adicional de insalubridade, não é uma mera vantagem ao servidor, é o Estado respeitando o cidadão e oportunizando melhor qualidade de vida, essa que está em risco diário no exercício das atribuições em linha de frente do sistema prisional.

Sylvio Feitosa de Freitas é advogado, especialista em direito processual civil.



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