De muro
Aliado com argentinos e uruguaios o Brasil venceu o Paraguai após memoráveis batalhas terrestres e navais, mas perdeu a guerra social em suas entranhas, que até agora faz vítimas e se mantém enquanto ferida que sangra e não se cicatriza.
Escravos sem nenhum direito à cidadania formaram a base das tropas brasileiras lavando com seu sangue o teatro das operações. Finda a guerra o governo entendeu que seria mais barato alforriá-los do que mandá-los de volta aos estados de onde foram recrutados pelos militares. Com as bençãos imperiais os ex-soldados negros subiram os morros que circundam o Rio de Janeiro. Assim nasceram as favelas.
Transcorridos 140 anos da rendição de Francisco Solano López o Brasil continua morrendo com as sequelas sociais daquela guerra absurda que botou em trincheiras opostas irmãos siameses que sofrem problemas comuns ao continente tão explorado por europeus e norte-americanos.
Favela amorrada tornou-se símbolo de gueto social jamais reconhecido oficialmente. Espalhou-se por São Paulo, Belo Horizonte, por outras cidades e pela região serrana do Rio, ora sob forte catastrófe que ceifou centenas de vidas, mutilou, apagou sonhos, murchou sorrisos.
A herança maldita da guerra com o Paraguai deixa miseráveis sociais expostos a riscos nas áreas onde suas gerações se sucedem. A eles se somam ricos excêntricos que constroem casas ou investem em hotelaria nas encostas. Ou seja, a favela amorrada é chão de sobrevivência para muitos e conceito residencial e empresarial para outros.
A natureza é imprevisível, encostas desmoronam, pedras rolam pelas ladeiras e cota de rio sobe na proporção da água que drena para seu leito. O poder público sabe que é assim, mas é indiferente ou impotente – ou ambas as coisas - para reordenar a ocupação do solo, o que resulta na explosão imobiliária em áreas de risco.
O processo de favelização em curso no Brasil é altamente preocupante. Ele ainda é mais grave na área onde se prevê – e está em curso – o surgimento da megalópole que criará a urbanização comum ao Rio e São Paulo com as cidades no percurso, onde a população ficará amontoada, sem qualidade de vida, neste país cada vez mais vazio na zona rural.
Em nome da vida, da qualidade de vida e antes que o caos se torne irreversível o Brasil tem que repensar a forma de ocupação urbana. É preciso olhar além do muro da última casa da cidade, pois a partir dali está a solução do problema que desde o fim da guerra com o Paraguai desafia as autoridades.
EDUARDO GOMES é jornalista
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