Mencken
O meu professor particular de Direito Penal me recebe em seu escritório para mais uma aula. Abre o computador, lê um artigo não convencional em voz alta para que eu pudesse acompanhar. Terminada a leitura, tira os seus pesados óculos, coloca-o sobre a mesa, esfrega os olhos com as mãos. Acende um cigarro, olha fixo para mim, tipo olho no olho, e simplesmente diz: "é um iconoclasta!" Terminada a aula teórica de Direito Penal, é marcado o retorno para a próxima semana.
Volto para casa só pensando naquilo que o professor disse após a leitura do artigo, cujo autor omitiu ou esqueceu-se de dizer o nome. Despertou em mim a necessidade de pesquisar sobre o iconoclasta. Pesquisei e descobri que o grande iconoclasta a que se referia meu professor, foi a americano Henry Louis Mencken (1880-1956). O relato mais delicioso sobre essa polêmica personalidade foi a de Ruy Castro que passo a transcrever abaixo, não o texto todo, mas as passagens mais interessantes sobre o iconoclasta Mencken.
"Como é possível que o maior iconoclasta de seu tempo tenha sido também uma espécie de ídolo popular? Normalmente os dois conceitos se autoexcluem. Pois Henry Louis Mencken foi as duas coisas, e achava isso muito natural. Mencken conseguiu isso sem fazer a menor concessão ao "bobo" americano, ou seja, o típico pateta que ele via no homem da rua, escravizado por superstições e medos. E com menos concessões ainda aos poderosos (políticos, clérigos, juízes), cuja desonestidade, hipocrisia e mediocridade ele vergastava com uma audácia do tamanho da sua autoridade."
Continuando Ruy Castro nos esclarece que: "o pai de Mencken era um próspero alemão comerciante de charutos, - queria que o filho assumisse os seus negócios ao sair da universidade. Mas cometeu um erro: deu ao jovem Henry Louis, em 1889, uma pequena impressora manual. Foi o que bastou para que Mencken nunca se interessasse por charutos, a não ser para fumá-los, e saísse do ginásio, aos 18 anos, diretamente para a redação de um jornal, como foca. Primeira missão? Cobrir um enforcamento. Aos 25 anos, Mencken já era editor do jornal. A universidade das ruas e redações custou-lhe a sola do sapato, mas deu-lhe um invejável currículo em disciplinas como: política, religião, costumes, crime e corrupção. Além de ensiná-lo a escrever como ninguém. Não é desse material que se fazem (ou, pelo visto, se faziam) os jornalistas? Mencken era um ímã para polêmicas, e sabia aproveitá-las. Ele não apenas farejava notícias; às vezes, era ele próprio a notícia. Seu casamento aos 50 anos rendeu primeira página em centenas de jornais, por ser a inesperada capitulação do mais renitente solteirão americano, numa época em que solteirice era sinônimo de homossexualismo. Na verdade, Mencken era um boêmio garanhão que se orgulhava de pertencer à aristocracia do celibato. Mencken aquecia a sua pena no inferno, para ridicularizar o que considerava a estupidez e a covardia congênitas do ser humano. Mencken soprava antes de morder. Após um acidente vascular cerebral (AVC) - ficou incapaz de ler e escrever, permitindo-lhe ironicamente continuar funcionando a contento no resto. Um resto que ele entregou a Beethoven e a Johnny Walter. Morreu de enfarte do miocárdio em 1956".
Fiz questão de contar a história sintetizada do iconoclasta para demonstrar a falta que faz este tipo de personalidade em uma sociedade democrática. Temos os nossos iconoclastas. Todos censurados economicamente, ou pela justiça. Os nossos poderosos não suportam os seguidores de Mencken. Que retrocesso viver sem a companhia de um iconoclasta!
Gabriel Novis Neves é médico em Cuiabá
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