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Opinião
Sábado - 21 de Novembro de 2020 às 06:51
Por: Luciana Oliveira Pereira

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A violência sexual contra crianças e adolescentes é um problema grave no Brasil. Uma situação que precisa ser enfrentada com o apoio de toda a sociedade, mas nesta pandemia, isso requer nossa maior atenção.

As notificações mostram que os agressores/ abusadores são pessoas que mantém algum tipo de vínculo com a criança, isso varia de 75% a 90% dependendo da região do país. Muitas vezes são os pais, padrastos, tios ou avôs que convivem com a criança, dentro de casa, e se aproveitam da relação de confiança que têm com elas para praticar a violência.

Dados do Ministério da Saúde mostram que a cada hora, 3 crianças sofrem abuso sexual no Brasil, isso representa 72 crianças e/ou adolescentes violentados por dia. O Ministério estima que nos seis primeiros meses da pandemia, o número de vítimas chegou a 12.960.

Mas as estatísticas, que sempre foram preocupantes, mostram que durante a pandemia os números de denúncias sobre a violência sexual infantil caíram, e isto não é motivo de comemoração, mas um sinal de alerta, pois refletem um aumento da subnotificação.

Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) o Disque 100, canal que recebe denúncias sobre diferentes tipos de violência, mostra queda no número de denúncias de violência contra as crianças, contudo, houve aumento de 37% nas denúncias de violência contra a mulher e de 47% contra outros grupos vulneráveis. Nos últimos dois anos, o serviço recebeu mais de 35 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, sendo mais de 18 mil casos em 2018 e 17 mil denúncias no ano passado.

Nessa pandemia, com o confinamento, o problema da violência doméstica foi escancarado

Nessa pandemia, com o confinamento, o problema da violência doméstica foi escancarado, seja contra mulheres ou idosos, e isso aparece nas estatísticas, mas com relação à violência sofrida pelas crianças, que precisam do apoio de alguém para realizar a denúncia, o número de notificações reduziu, o que não condiz com a os dados históricos.

Esta queda nas ocorrências se reflete em todo país, números da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo contabilizaram mais de 9,2 mil notificações de estupro de vulnerável (que ocorre com menores de 14 anos) no ano passado, sendo mais de 5 mil ocorrências até o mês de julho. Em comparação com o mesmo período, em 2020 foram 4.481 denúncias, retratando uma redução de 11.5% nas notificações.

Já em Mato Grosso, a partir da análise dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN, da Secretaria de Estado de Saúde, a redução de notificações durante a pandemia, comparando os meses de março a setembro, foi de 9% em relação a 2019. O número da violência sexual contra crianças e adolescentes no período chegou a 358 vítimas.

Analisando os dados dos últimos três anos, com um recorte dos meses de janeiro a setembro, foram realizadas 1.108 notificações. Observando a idade das vítimas, que vai de menos de 1 aos 19 anos, os registros mostram uma prevalência constante da violência na faixa etária entre 10 a 14 anos, respondendo por 48% do total de casos.

Na sequência, estão as vítimas com idade entre 5 a 9 anos, representando 20.3 % dos casos notificados; seguidos de 15.1% de vítimas na faixa etária entre 01 a 04 anos.

É importante observar que nesta fase muitas crianças sequer sabem falar, o que torna esse crime mais perverso, já que elas não têm como se comunicar, e ainda não desenvolveram condições cognitivas de compreender o que está acontecendo com elas.

Os dados de 2020 apontam que dos 141 municípios do estado, as cidades com maiores notificações são Cuiabá, Rondonópolis, Sorriso, Cáceres e Alta Floresta, que representam 21,3% do total de registros. Mas afinal, o que explica a queda das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, se houve ampliação de denúncia em outros tipos de violência?

Segundo analistas, isso pode ser explicado pelo fechamento das escolas, pois além dos profissionais da saúde, a comunidade escolar é a responsável pelo maior número de denúncias.

Na vivência desta pandêmica, a importância dos professores se evidenciou muito na estrutura da educação, mas há que se destacar ainda sua outra face de atuação - são eles que percebem as lesões corporais e as mudanças de comportamento repentinas - traços da criança violentada, que atestam os maus tratos e o abuso sexual que estão vivenciando.

O problema da violência contra as crianças, seja de qualquer espécie, é um problema de toda a sociedade, mas diante das dificuldades que estão sendo impostas pela pandemia, como o medo dos deslocamentos por conta da contaminação, o foco das UBS no atendimento às vítimas do covid 19, todos devemos abraçar esta causa por um maior cuidado com as crianças.

Um aspecto que não pode deixar de ser ressaltado é que o abuso sexual infantil acontece independentemente de classe econômica, crença religiosa, gênero ou nível de qualidade de vida. Milhares de crianças estão em risco e por toda parte.

Existe protocolo, uma rede de atendimento que une municípios e o Estado, mas há que se fortalecer ainda mais as ações neste momento: cabe ao poder público criar campanhas de alerta aos pais e cuidadores; de conscientização e empoderamento de crianças e adolescentes; as secretarias de educação, que estão utilizando canais virtuais para contato com os estudantes, pode ajudar nessa divulgação e mais uma vez, reforçar o papel de professores fomentando a discussão.

Outra importante ação é manter o acesso e as condições das redes de atendimento às vítimas, além de divulgar melhor os canais de denúncia. Também é crucial a agilidade no atendimento assim que a denúncia é realizada. Mas cada um deve estar atento às crianças do seu entorno. A percepção de alterações comportamentais pode ser um alerta e é possível fazer a diferença na segurança de suas vidas.

Os profissionais que atendem às vítimas alertam aos pais que é preciso ter muito cuidado, pois os abusadores, quando não coabitam com a criança, são pessoas da intimidade da família, a quem eles confiam seus filhos - padrinho, vizinho ou amigo. São sempre pessoas acima de qualquer suspeita, que utilizam de um perfil social positivo para fazerem suas vítimas.

Eles usam dessa credibilidade junto aos pais para manter a situação do abuso, criando uma espécie de segredo com a criança, que se vê enredada e não consegue contar o que sofre. A experiência mostra que pais mais atentos e desconfiados são os que mais conseguem proteger seus filhos.

Percebemos que a mudança na rotina das crianças, como reflexo da pandemia, está trazendo dificuldades e sofrimento, todos estamos de alguma forma sendo impactados, mas as crianças merecem um olhar mais apurado, pois estão numa fase onde as vivências de hoje vão sedimentar todo seu futuro. E a violência sexual pode provocar danos emocionais, psicológicos e sociais irreversíveis.

E como denunciar? Os Conselhos Tutelares fazem parte da rede de atendimento e aceitam denúncias anônimas; os Centros de Referência Social – CRAS e CREAS; o Disque 100 do Governo Federal; além de poder acionar a Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Deddica).

Mas o que é o Abuso Sexual Infantil?

Abuso sexual infantil é todo envolvimento de uma criança numa atividade sexual com um adulto ou outro, que pela idade ou nível de desenvolvimento, está numa relação de responsabilidade, confiança ou poder com a criança abusada.

É qualquer ato que gratifica ou satisfaz as necessidades sexuais do abusador, com indução ou coerção da vítima, na maioria dos casos, com uso de força física, ameaça e exploração de autoridade. Importante ressaltar que todos os atos trazem uma carga de sofrimento à vítima, com graves danos psicológicos e emocionais.

Luciana Oliveira Pereira é jornalista.



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