Os desígnios da vida A humanidade não vive apenas de carne, alface e motores
Rubem Braga que eu reputo seja o nosso maior cronista escreveu, no ano de 1952 - 200 Crônicas Escolhidas – Ed. Record/2005, uma crônica chamada Imigração, onde ele faz indagações sobre os equívocos da política de imigração, no Brasil.
Nesta época os imigrantes, logo que chegavam, ficavam na Ilha da Flores. As pessoas que lá encontrou não eram agricultores, técnicos, “gente capaz de ser útil”, eram músicos, bailarinos, cabelereiras, vendedores, jogadores de futebol.
Gente que não iria aumentar a produção de batatinhas e quiabos e nem plantar cidades no Brasil Central.
“É insensato importar gente assim. Mas o destino das pessoas e dos países também é, muitas vezes insensato... Ninguém sabe que destino terão no Brasil essas mulheres louras, esses homens de profissões vagas...É preciso de tudo para fazer o mundo, e cada pessoa humana é um mistério de herança e de taras”, afirma.
Entretanto, a humanidade não vive apenas de carne, alface e motores. Se se pensasse ou afissem assim, os rigores da imigração poderiam ser mais severos.
E quem sabe se no meio destes desafortunados imigrantes não estariam os ascendentes de Pelé, de Villa Lobo, de Machado de Assis e de Drumond e de Santos Dumont, que poderiam ter nascido em outro lugar. Os desígnios da existência são insondáveis! O que vai acontecer mesmo com as atitudes planejadas é um mistério. Enquanto fazemos planos Deus dá risadas, como diz o ditado popular. Não temos a certeza de quase nada!
É por causa disto que tenho receio das atitudes, mesmo as mais sensatas, quando se pode estar a caminho de um redundante fracasso.
Eu sou infenso a violência, já me manifestei sobre isto, em diversas ocasiões, aqui nesta coluna. Quando se fala em violência contra a mulher, eu me lembro da maior delas: o aborto.
Que é a invasão do ventre feminino para retirar um nascituro indesejado. E este é um caso do homem que vira Deus agredindo uma mulher para decidir o seu destino e de outro ser indefeso.
Repito, quem sabe os caminhos e os desígnios da existência para ceifá-la sob qualquer pretexto? Não se estaria tolhendo a vereda de um gênio ou de um sábio que iria contribuir para os destinos deste mundo tão conturbado? Se as mães dos gênios, acima citados, tivessem voluntaria ou involuntariamente interrompido o intercurso de suas gravidezes, o que teria acontecido? Certamente que nada, a indiferença finge não saber e nem se importa com isto!
Os caminhos da existência são insondáveis e se assim são, não cabe a ninguém interromper o seu curso. Podem dizer o que quiser, mas usar da violência para interromper a vida não é certamente o melhor caminho a trilar.
Abro aqui, com a exposição acima, a discussão sobre a liberação do aborto que tem sido ventilada ultimamente, para que se ouçam outras opiniões a respeito, a fim de que esta questão, tão tormentosa, seja discutida com o realismo e isenção devida, livre de ladinos e aproveitadores que sempre querem tirar vantagens de tudo.
Renato Gomes Nery é advogado.
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