BRIC: sigla transitória ou permanente?
A bem sucedida invenção da Goldman Sachs ao agrupar grandes países do mundo em um só bloco pela sigla BRIC, gera um curioso fato político no cenário da governança global. O fato é que nenhum dos quatro paises, Brasil, Rússia, Índia e China, têm agenda comum nem objetivos políticos e econômicos sequer convergentes. O paradoxo vai além quando observamos que a posição geográfica do BRIC nos leva a uma esfera nada lógica. Índia e China, ambos asiáticos, não se enquadram nem geográfica nem economicamente na tradicional divisão entre Norte (desenvolvidos) e Sul ( subdesenvolvidos). A Rússia, geograficamente no Norte, sofre ou se beneficia do bipartismo europeu e asiático, não sabe em que proporção de sua totalidade como nação ela é européia e asiática. E, se definirmos a China, como extremo Oriente, o Brasil cabe bem na definição de país do extremo Ocidente.
Pela análise das instituições políticas, de convivência social, das práticas culturais, religiosas, e da tolerância racial, talvez o BRIC constitui o mais heterogêneo grupo de paises importantes já imaginados. Rússia, Índia e China, trazem dentro de suas respectivas sociedades, valores, práticas, preconceitos éticos e estéticos tão divergentes que fica bem difícil imaginar uma homogeinização entre eles, sem falar das transformações tão revolucionarias vividas por estes países. Mesmo o Brasil, em sua curta trajetória de 500 anos, não fica alheio a importantes mudanças internas, como a urbanização acelerada.
É bem verdade que os quatro paises têm em comum sua imensidão geográfica e populacional. Por mais importante que seja essa dimensão a questão é se isso, por si só, garante a permanência e vida longa a este heterogêneo grupo de paises. Será que é um fenômeno passageiro de mídia e marketing? Ou será possível reconhecer fatores permanentes, embora não plenamente identificados, mas que garantem a consolidação do grupo como foro privilegiado e importância crescente no quadro das instituições existentes da governança global?
Por um lado, se definirmos como agenda comum temas específicos, dos quais o BRIC tenha visões convergentes, será difícil encontrar uma agenda comum nos dias de hoje. Por outro lado, se buscarmos temas que tenham papel relevante no relacionamento, então, aí sim, será bem fácil levantar uma relevante e bem sucedida agenda comum. Podemos começar pelo óbvio, que é o comércio internacional, o qual novamente pode começar a preocupar o empresariado e o governo brasileiro. Isso porque o Brasil está se tornando um grande exportador de commodities de baixo valor agregado para a China, e, ao mesmo tempo, um grande importador de bens de consumo não duráveis com maior agregação de valor, mas com irregular prestação de qualidade.
O empresariado brasileiro pressiona o governo para que adote medidas de caráter tarifário, ou que possam reduzir as importações de manufaturas chinesas de alguns setores como brinquedos e têxteis. Também para complicar, importante recordar que as manufaturas chinesas se fazem presentes no Mercosul pelas compras feitas pelo Paraguai e reexportadas para o Brasil por meio do obscuro mercado de sacoleiros e das chamadas “Feiras do Paraguai”. Cada vez que o governo cede às pressões paraguaias e alivia a repressão do comercio de fronteira, na verdade está estimulando a triangulação de produtos de origem asiática, particularmente os de Formosa, que é o único pais chinês que tem relação diplomática com o Paraguai.
Mas deixando de lado esse efeito Paraguai, o interessante é que o Brasil já vem demonstrando há tempos sua competitividade mundial no comércio de commodities agrícolas, e não há porque achar que este é um mal necessário para cobrir nossa fraqueza no campo das exportações de manufaturas. Ao menos, as relações comerciais com a China podem oferecer uma excelente oportunidade para que o setor público e privado no Brasil, definam uma estratégia de médio e longo prazo que inclua nas negociações bilaterais mecanismos de liberalização gradual da China com relação às exportações agrícolas brasileira, e aceitar a incorporação de valor agregado pelas transformações das commodities em produto agroindustriais. Seria interessante uma política de negociações comercias com a China que leve a uma abertura progressiva para as exportações brasileiras de alimentos, com crescente conteúdo protéico, e isto valeria também para as negociações bilaterais com a Índia e a Rússia.
O Brasil pela sua experiência única na construção de uma sociedade pacífica e tolerante, pode muito bem tomar a iniciativa, no seio do BRIC, de estabelecer como primeiro ponto da “agenda comum” o tema agrícola em seu sentido mais amplo, incluindo questões ambientais, climáticas e de segurança alimentar que atravessam a produção e comercialização de produtos agrícolas, e definindo como segundo item da agenda comum, a contribuição que os quatro paises poderão dar à definição, em escala global, de um novo paradigma de crescimento sustentável em escala planetária.
Não nos esquecemos de que os quatro paises juntos somam cerca de 14% do comercio mundial, 40% da população e 15% do PIB do planeta. Hoje, os saldos gigantescos acumulados pelo BRIC, principalmente China, podem e devem ser aplicados em seus respectivos territórios, para beneficio de todos os paises subdesenvolvidos, desenvolvidos ou emergentes.
Fabiane Paes de Barros Arguello – Advogada
Mattiuzo & Mello Oliveira Advogados Associados
www.mmo.adv.br
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